Diagnóstico da SAF não é fácil, mas é possível reconhecer sinais clínicos desde os primeiros dias de vida
Maria dos Anjos Mesquita* Publicado em 26/04/2023, às 06h00
Muitos pesquisadores acreditam que o problema mais trágico do alcoolismo são os prejuízos permanentes que ele pode causar aos indivíduos, quando a sua mãe bebe qualquer bebida alcoólica durante a gravidez. Consideram que o álcool é a substância que mais comumente causa defeitos na estrutura e nas funções dos órgãos quando ele atinge o embrião e/ou o feto.
Várias instituições mundiais, entre elas as norte americanas National Organization on Fetal Alcohol Syndrome e National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism, afirmam que a Síndrome Alcoólica Fetal corresponde ao quadro mais grave e completo do espectro ou transtorno de desordens fetais alcoólicas (fetal alcohol spectrum disorders – FASD).
Este transtorno descreve múltiplas alterações físicas, do desenvolvimento neurológico, comportamentais e de aprendizado, que podem ocorrer no indivíduo exposto ao álcool durante a sua gestação. Estas alterações têm implicações para toda a vida do paciente acometido, para a sua família e para a sociedade em que vive.
O acometimento do embrião/feto depende da quantidade de bebida alcoólica que a gestante bebeu e da maneira como a consumiu, da quantidade de álcool no seu sangue, do mês ou meses de gravidez que o usou e da susceptibilidade genética do feto.
Um estudo feito no Chile, por Kuehn e colaboratores, mostrou que 80% das grávidas alcoólatras tiveram filhos com uma ou mais anormalidades associadas à exposição ao álcool durante a gestação.
O álcool, contido em qualquer bebida alcoólica, pode causar danos em todas as fases da gravidez. Nas primeiras duas semanas de gestação, o consumo de álcool pela gestante pode provocar aborto. Da terceira à oitava semana, é capaz de levar a grandes alterações na composição e forma dos órgãos e a déficits na sua função. Do terceiro mês em diante pode causar alterações estruturais mais sutis nos órgãos e, também, aos seus déficits funcionais
Todos os órgãos e sistemas podem ser afetados pela ação nociva do álcool na vida intrauterina. Leva a alterações do desenvolvimento do cérebro, coração, rins, intestino, fígado, ossos, genitais e do rosto entre outros. Provoca, também, alterações de comportamento, dificuldades de visão, de audição, de ganho de peso e de crescimento.
Porém, as consequências mais nocivas, incapacitantes e permanentes da ação do álcool no indivíduo que ainda está no útero materno, são o comprometimento do desenvolvimento e das funções cerebrais.
As alterações do cérebro manifestam-se por cabeça e cérebro menores que o normal (microcefalia e microencefalia), retardo mental, dificuldades de aprendizado, alterações da memória, problemas na linguagem, déficit de atenção, hiperatividade, convulsões, tremores, dificuldades dos movimentos, dificuldade no controle de impulsos e falta de habilidades sociais. São pessoas que têm dificuldades de formar amigos, de conviverem com outras pessoas, de controlar as suas vontades e impulsos, de serem autônomos.
Frequentemente se voltam para a vida do crime.
No rosto é comum possuírem a fissura palpebral pequena, o filtro nasal liso e a borda vermelha do lábio superior fina. Podem ter pregas no canto dos olhos, ponta do nariz voltado para cima, queixo fino, bochechas planas e alterações nas orelhas.
O diagnóstico precoce do transtorno de desordens fetais alcoólicas é importante para que se possa agir de maneira precoce nesses pacientes levando a melhores resultados para o seu futuro.
Não se sabe se existe alguma quantidade de bebida alcoólica, que a grávida possa beber e que não leve a problemas para o feto. Acredita-se que, qualquer quantidade que ela consuma, possa levar a defeitos no desenvolvimento dos órgãos e do crescimento das crianças, tanto no útero quanto após o seu nascimento. Por esse motivo, nós, da Sociedade de Pediatria de São Paulo, a Academia Americana de Pediatria, a Central Association of Obstetricians & Gynecologists, o Centers for Disease Control and Prevention, entre outras instituições mundiais, recomendamos que todas as mulheres grávidas, que desejam ou tenham risco de engravidar não bebam nenhuma quantidade de bebida alcoólica.
* Maria dos Anjos é neonatologista e membro do Núcleo de Estudos dos Efeitos do Álcool na Gestante, Feto e Recém-nascido da Sociedade de Pediatria de São Paulo.