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Sono e qualidade de vida: um pilar da saúde para crianças e adultos

A ligação entre o sono e a qualidade das funções que desempenhamos enquanto estamos acordados é um tema frequente nas consultas médicas

Guilherme de Abreu* Publicado em 23/01/2025, às 06h00

Muitas vezes a qualidade do sono do aulto tem relação com o sono da criança
Muitas vezes a qualidade do sono do aulto tem relação com o sono da criança

Você já ouviu falar de distúrbios de sono, como terrores noturnos e sonambulismo? Ou já teve aquela sensação de cansaço, mesmo após várias horas de sono? A ligação entre o sono e a qualidade das funções que desempenhamos enquanto estamos acordados é um tema frequente nas consultas médicas, principalmente por seu  impacto direto em nosso cotidiano.

O sono é um período fundamental da nossa rotina. Ele não só influencia nossa capacidade de interagir socialmente e enfrentar corretamente desafios, mas também afeta diretamente a qualidade geral da nossa saúde, isso inclui aspectos como atenção, foco, humor e até mesmo nossos relacionamentos interpessoais.

O funcionamento do sono é produto de um intrincado balanço entre duas formas de regulação pelo cérebro. Primeiramente, a regulação química, que ocorre majoritariamente pela ação de uma substância neuromoduladora chamada adenosina. Ela é produzida no cérebro em resposta à atividade mental e ao consumo de energia. Quanto mais ativos ficamos ao longo do dia, especialmente cognitivamente, mais a adenosina se acumula, aumentando a sensação de cansaço à medida que a noite se aproxima. E conforme a adenosina se eleva, a intensidade das sensações de prazer e recompensa, mediada por outros neuromoduladores, diminuem.

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A segunda forma de regulação é o ritmo circadiano, que literalmente significa “cerca de um dia”. Ele é ajustado no cérebro por uma série de fatores, com ênfase na exposição à luz. A natureza, em toda sua complexidade majestosa, planejou um sistema onde um hormônio chamado cortisol é liberado no início de cada manhã, ajustando nosso “relógio biológico”. Aproximadamente doze horas depois, esse sistema estimula a liberação de um outro hormônio, chamado melatonina, um potente indutor de sono.

Entre todos os fatores que regulam o ritmo circadiano, a luz é primordial. Embora a luz artificial tenha algum impacto, é a luz natural do sol que exerce a influência mais poderosa no ajuste desse relógio interno. Assim,  recomenda-se evitar as telas à noite e priorizar a exposição à luz solar, preferencialmente em ambientes externos, logo no início da manhã. Essa prática é importante para a saúde e para o estabelecimento de um ritmo circadiano adequado.

A luz solar possui ainda um surpreendente efeito adicional sobre o sono. Estudos recentes apontam que a exposição à luz solar ao final do dia, próximo ao pôr do sol, pode proteger a qualidade do sono, amenizando os efeitos negativos de luzes artificiais sobre o ritmo circadiano.

No campo pediátrico, as queixas sobre a qualidade e a duração do sono são causas frequentes de preocupação para pais e mães. Evidências mostram que a qualidade do sono das crianças afeta diretamente seu comportamento, desempenho escolar e saúde física. Aproximadamente 25% das crianças enfrentam dificuldades com o sono, seja para iniciá-lo ou mantê-lo, ou sonambulismo e terror noturno. Para crianças com ansiedade, depressão ou transtornos como o autismo, paralisia cerebral e Síndrome de Down, a prevalência de problemas de sono pode chegar a  80%, impactando a qualidade de vida.

Fisiologicamente, o sono é dividido em dois estágios principais. No sono REM, também chamado sono paradoxal, a pessoa  apresenta movimentos oculares rápidos e uma atividade cerebral similar à vigília, sendo o estágio dos sonhos e da solidificação do aprendizado e memória. O sono não REM, por outro lado, é marcado por diminuição da atividade cerebral, proporcionando um sono profundo e reparador. Esses dois estágios alternam-se ciclicamente, compondo períodos de aproximadamente 90 minutos nos adultos e 50 minutos nas crianças. Assim, adultos experimentam cerca de cinco ciclos completos de sono numa noite, enquanto crianças podem ter dez ou mais.

As necessidades de sono mudam ao longo da infância e da adolescência. Um bebê recém-nascido precisa de cerca de 20 horas de sono por dia. Durante o primeiro ano, o padrão de sono gradualmente se divide em três períodos: um longo período noturno, inicialmente contendo breves pausas para alimentação, e que aos seis meses se torna mais contínuo, e dois cochilos diurnos, um de manhã e outro à tarde. O cochilo matinal geralmente desaparece por volta de dois anos de idade, enquanto o da tarde pode persistir até os quatro anos. À medida que a infância avança, a necessidade de sono diminui para cerca de 10 horas na pré-adolescência e entre 8 e 9 horas na adolescência até a vida adulta.

Dificuldades em iniciar ou manter o sono podem ter várias causas, como problemas alimentares, medicamentos, dores crônicas, apnéia do sono ou condições comportamentais, como hábitos de sono inadequados ou uso excessivo de telas. As dificuldades principais incluem:

Dificuldade em Induzir o Sono: Enquanto rituais de sono são essenciais no início da vida, é importante que a criança aprenda a se autoacalmar para voltar a dormir independentemente de fatores externos.

Dificuldade em Manter o Sono: Despertares frequentes em crianças podem ocorrer devido a fatores ambientais, como ruído, luminosidade e temperatura do quarto. 

Resistência a ir dormir: Mais relacionada à falta de uma rotina noturna consistente. 

Sono Não-reparador: Predominam em crianças com apnéia do sono, afetando a qualidade do sono.

Terror Noturno: Comuns e geralmente benignos, são mais frequentes em meninos e podem ser agravados por ansiedade e dinâmicas familiares instáveis.

Os distúrbios de sono têm um impacto significativo na rotina diária , causando sintomas como irritabilidade, sonolência e atrasos no desenvolvimento emocional. O manejo adequado depende de uma identificação precisa do distúrbio e de fatores associados que possam estar presentes. Estratégias como ajustes nos hábitos de sono, mudanças na alimentação e na rotina diária e até mesmo a exposição solar representam intervenções úteis.

Toda criança, em especial as que apresentam dificuldades emocionais, de aprendizado, de atenção ou comportamento, devem ter seus hábitos de sono cuidadosamente avaliados em consulta Pediátrica. O sono é um componente essencial para a saúde física, mental e emocional de crianças e adultos, demandando cuidado e atenção contínuos. Compreender as complexidades dos ciclos do sono e reconhecer a influência de fatores externos, como a luz e hábitos diários, é crucial para promover padrões de sono saudáveis. Intervenções eficazes, baseadas em uma compreensão aprofundada das necessidades individuais e dos distúrbios associados, podem melhorar significativamente a qualidade de vida, tanto da criança quanto de sua família. Ao priorizarmos a saúde do sono, estamos investindo em um futuro mais saudável e equilibrado para todos, assegurando que o sono continue a desempenhar seu papel vital como restaurador físico e mental.

*Guilherme de Abreu é médico, pediatra e neonatologista, graduado pela Universidade de São Paulo. Trago comigo mais de quinze anos de experiência clínica e em pesquisa, tendo sido treinado em instituições renomadas no Brasil e no exterior. Atua principalmente no cuidado pediátrico e de crianças com transtornos do desenvolvimento, com especialização na área de Desenvolvimento & Comportanneto Infantil em Cleveland - EUA.