A colunista Damaris Gomes fala sobre o Árvore de Causas, método de análise de riscos de asfixia em crianças
Damaris Gomes Maranhão* Publicado em 21/09/2022, às 06h00
Em setembro desse ano uma criança de um ano e meio morreu asfixiada com uma rede na quadra de esportes do Centro Unificado de Educação Meninos, no bairro da Aclimação, em São Paulo. A Secretaria Municipal de Educação, conforme dados publicados, afirmou que não foi negligência. Entretanto é preciso investigar para além do julgamento dos responsáveis, com a intenção de reforçar a prevenção.
Este não é o primeiro acidente de enforcamento envolvendo crianças no espaço escolar. Em dezembro de 2021 um menino de um ano e três meses morreu por complicações ao se asfixiar com a alça de uma mochila pendurada na parede de uma creche no município de Canoas, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Inmetro, no início de 2016, 89% dos consumidores de cordões de persianas e cortinas disseram reconhecer o risco de estrangulamento para crianças de zero a seis anos. Ainda segundo a pesquisa, 10,4% dos entrevistados afirmaram conhecer alguma criança que tenha falecido por asfixia.
O que me preocupa é que tenho observados nas redes sociais fotos de ambientes de educação infantil com redes de balanço, fitas e cordões, que são disponibilizados para brincadeiras, mas que, quando maiores de 15 cm, possuem um risco maior de asfixia se enrolados nos pescoços pelas próprias crianças. Uma vez socorri uma criança que enrolou o pescoço ao brincar em um balanço, mas felizmente ficou apenas com hematoma, graças à intervenção imediata da professora.
Estes fatos também nos levam a orientar a análise de qualquer acidente em ambientes educativos, visando a investigação das causas do enforcamento. Não com a intenção de julgar as pessoas mas, sobretudo, para evitar riscos potenciais no futuro.
O Método de Árvore de Causas, desenvolvido na França na década de 1970, foi criado para ser aplicado na investigação de acidentes em empresas, visando a segurança dos trabalhadores. Entretanto, ele também pode ser utilizado nos serviços educacionais para proteger as crianças e educadores.
Às vezes os profissionais da educação argumentam que os profissionais de saúde só enxergam os riscos e não reconhecem a importância da livre exploração dos ambientes para as aprendizagens e desenvolvimento das crianças. Mas sempre contra-argumento nas palestras sobre o tema, que os professores devem ponderar benefícios e riscos conforme o desenvolvimento potencial de cada criança no ambiente coletivo e sempre vasculhar o ambiente, sobretudo a área externa, para identificar potenciais riscos para cada faixa etária. No caso do acidente com a rede, segundo as informações veiculadas na imprensa, havia uma proporção de 35 crianças para cinco professores. No coletivo podemos em poucos segundos, perder de vista uma criança, enquanto atendemos a demanda de outra.
A Árvore de Causas é um método de análise baseado na teoria de sistemas para investigação de acidentes, por se tratar de um evento que pode resultar de situações complexas. Ao ser aplicado, pode evidenciar falhas que antecederam ao evento final, que resulta em lesão ou não. O conceito básico é o de variação ou desvio, que pode ser entendido como uma “fuga” dos padrões e que tem relação direta com o acidente. É composta por quatro itens:
A Árvore de Causas deve ser construída pelo grupo composto pelo gestor, professores e outros profissionais da escola e supervisores da Secretaria Municipal de Educação, analisando todos os aspectos de forma retroativa ao evento a partir do ocorrido. A elaboração do fluxograma da Árvore de Causas só termina quando os fatos começam a se distanciar do evento ou então quando o grupo avalia que todas as causas foram levantadas e checadas, não restando mais nada a relatar. O importante deste método é que, após essa análise, pode-se identificar e prever situações futuras semelhantes que podem ser evitadas.
Recomenda-se que o acidente seja investigado o mais rapidamente possível, no próprio local, entrevistando-se o(s) acidentado(s) quando em idade possível, consciente e sobrevivente, o que não seria possível nos dois casos relatados. Mas os professores e profissionais presentes devem reconstruir a cena e investigá-la.
Qual foi o último professor ou pessoa que interagiu ou observou a criança antes do acidente na rede ou com a mochila? Em que momento o professor identificou sua ausência no grupo ou constatou o fato ao percebê-la inconsciente? Qual foi sua atitude no momento?
Entrevistar todos os envolvidos que direta ou indiretamente possam reconstruir o cenário onde tudo se iniciou até sua constatação. Reiterando, o objetivo a não é julgar para punir alguém mas sim evitar novas ocorrências parecidas. Evitar a pergunta “por que ele se enroscou na rede” ou “por que se enrolou na alça da mochila”, mas sim, “Isso foi necessário? Foi suficiente? " Deve-se buscar fatos que podem ter contribuído para o acidente. O desenvolvimento potencial da criança, estar distante dos colegas e professores, ter acesso a um material de potencial risco de enforcamento.
Os fatos devem ser registrados, sem juízos de valor, interpretações e conclusões que não devem, de forma alguma, constar da árvore.
Os fatos habituais, que estão presentes na situação cotidiana e rotineira de trabalho, são representados graficamente por quadrados. Não sendo possível identificar se determinado fato constitui variação ou fato habitual, esta dúvida é representada por um círculo no interior de um quadrado.
"Quando não se consegue avançar na investigação, seja porque a origem de determinados fatos já caiu no esquecimento, seja porque não se dispõe de informação, esta condição é representada por meio de uma interrogação. O conceito de variação, central no método, parte do pressuposto que para o acidente acontecer, é indispensável a ocorrência de pelo menos um fato inusitado, isto é, uma variação, posto que o habitual é que o sistema seja seguro, produza bens ou serviços, não acidentes" Binder, Almeida, 1997
Após usar este método de investigação, mesmo quando o incidente não causou lesões graves ou óbito, nas creches coorporativas que supervisiono, emitimos um alerta para todas as unidades, para ciência de todos os profissionais visando a sua prevenção.
Referências:
1. Binder M.C.P.; Almeida I.M. Estudo de caso de dois acidentes do trabalho investigados com o método de árvore de causas Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):749-760, out-dez, 1997.https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csp/v13n4/0158.pdf
*Damaris Gomes Maranhão é enfermeira Especialista em Saúde Pública UNIFESP/USP, Dra em Ciências da Saúde pela UNIFESP, Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Consultora do CEDUC e Formadora no Instituto Avisalá, Mãe do Bruno e da Melissa, avó da Clara.