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Infância e uso de álcool na vida adulta

Estudo relaciona aumento do estresse e maior vulnerabilidade à ingestão excessiva de álcool a crianças que se sentem solitárias

Mariana Thibes* Publicado em 17/11/2022, às 06h00

A infância exige cuidados
A infância exige cuidados

“Não fui, na infância, como os outros

e nunca vi como os outros viam.

Minhas paixões eu não podia

tirar das fontes igual à deles;

e era outro o canto, que acordava

o coração de alegria

Tudo o que amei, amei sozinho."

Trecho do poema "Só", de Edgar Allan Poe

Algo que ficou bastante claro durante a pandemia foi o prejuízo que o isolamento pode causar na vida das crianças. Os impactos ainda não foram completamente estimados, mas muitos pais notaram atrasos no desenvolvimento de seus filhos e o aparecimento de problemas mentais, como ansiedade e depressão.

Além do período pandêmico, contribuem para o isolamento o tempo considerável que muitas crianças gastam em frente às telas, as oportunidades cada vez menores de convívio nos espaços públicos, sobretudo para aqueles que vivem nas grandes cidades, e o tempo escasso que muitos desfrutam com os pais e a família estendida. São todos aspectos muito comuns do estilo de vida moderno que acabam dificultando as experiências de socialização e convívio das crianças.

Hoje, já é muito evidente que as experiências, descobertas, afetos e estímulos recebidos durante a infância são decisivos para o desenvolvimento de adultos saudáveis, impactando sua saúde mental e física ao longo da vida. Um desses impactos é o uso de álcool, seja na juventude ou na vida adulta.

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Estudo recente, por exemplo, mostrou que a experiência de solidão na infância pode ser bastante prejudicial para a saúde mental, resultando na ingestão abusiva de álcool na fase adulta. Publicado na revista científica Addictive Behaviors Report, o estudo da Universidade Estadual do Arizona (EUA) entrevistou 310 universitários e descobriu que os estudantes que se sentiam sós antes dos 12 anos apresentavam níveis de estresse mais elevados e relataram uso excessivo de bebida alcoólica na idade adulta jovem.

Embora mais pesquisas sejam necessárias para trazer novos subsídios sobre essa relação, o resultado do estudo é um alerta importante, sobretudo em razão dos impactos do isolamento imposto pela pandemia à saúde mental das crianças. É preciso ficar atento às crianças que tiveram uma percepção maior de solidão no período e oferecer suporte terapêutico a elas, de acordo com os autores do estudo.

Também é importante reforçar a importância da socialização na infância. É dever não só dos pais, mas da sociedade como um todo proporcionar oportunidades de sociabilidade saudável para as crianças. Atividades culturais infantis e espaços públicos convidativos para os pequenos precisam ser incentivados, assim como tratamento terapêutico acessível para aqueles que já manifestam algum problema. Cuidar desse aspecto da vida das crianças pode prevenir o uso do álcool para lidar com algum problema.

Por fim, é sempre fundamental lembrar que o consumo de álcool por menores de 18 anos traz consequências sérias de curto a longo prazo à saúde, e por isso é proibido por lei no Brasil. Mas esse é um assunto que podemos explorar numa próxima conversa. Até mais!

* Mariana Thibes é socióloga e coordenadora do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Possui doutorado em Sociologia pela USP e pós-doutorado em Ciências Sociais pela PUC-SP.