Entenda como a falta de especialistas e recursos impacta o diagnóstico e a intervenção precoce no TEA, principalmente na rede pública
Noemi Takiuchi* Publicado em 11/04/2025, às 06h00
Nas últimas décadas, alcançamos uma compreensão aprofundada do transtorno do espectro autista (TEA) como uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por grande variação de perfis, desafios e potencialidades. No que se refere à intervenção, contudo, as metanálises e revisões sistemáticas são uniformes quanto à importância do início precoce e da abordagem terapêutica baseada em evidências científicas.
Uma grande barreira para a intervenção precoce no TEA já começa no acesso ao diagnóstico, devido à falta de especialistas, longas filas de espera e pela dificuldade na identificação de sinais precoces do autismo em crianças pequenas por parte dos profissionais que atuam na primeira infância. Famílias em vulnerabilidade socioeconômica, pertencentes a grupos minoritários ou que vivem em áreas periféricas, apresentam maior risco para enfrentar atrasos no diagnóstico. Nesses cenários de iniquidade, quantas crianças permanecem sem apoio justamente no momento em que seriam mais beneficiadas em seu desenvolvimento?
Após o diagnóstico, as famílias enfrentam novo desafio ao buscar acesso a serviços para intervenção especializada com profissionais capacitados em práticas cientificamente comprovadas. Um estudo brasileiro realizado em parceria entre Fipe USP e Instituto PENSI encontrou que famílias com filhos autistas gastam até três vezes mais que as outras famílias, devido às despesas com terapias especializadas, educação, medicação, intercorrências de saúde, alimentação, além da renda perdida dos pais, que precisam reduzir sua carga de trabalho pelas demandas do cuidado.
Poucos sistemas públicos de saúde no mundo cobrem integralmente esse nível de atendimento, e as opções privadas são inacessíveis para a maioria das famílias, resultando em um cenário onde as intervenções mais eficazes se tornam exclusivas para aqueles que têm recursos para pagar por elas. Portanto, o acesso ao diagnóstico e intervenção precoce no autismo extrapola o foco da saúde e alcança dimensões de uma questão de justiça social.
Uma descoberta importantede pesquisas recentes é que a intensidade importa, mas não de maneira rígidanem indiferenciada para todas as crianças. Os resultados desses estudosdemonstram que intervenções precoces de qualidade, mesmo com menor carga horária, podem ser bastante eficazesespecialmente quando os pais são orientados e empoderados para aplicar estratégias no dia a dia em abordagens naturalísticas e com ensino estruturadopara melhores práticas de interação responsiva, comunicação social, comportamento autorregulatório e aprendizagem por meio do brincar, potencializando o desenvolvimento de seus filhos com TEA com o aumento das oportunidades para além das sessões de terapia.
Oferecer terapia especializada precoce para todas as crianças autistas no Brasil ainda é um desafio logístico e financeiro, mas não é impossível. Investir em iniciativas escaláveis e culturalmente adaptadas, em propostas híbridascom grupos terapêuticos de intervenção naturalística comportamental, programas de orientação parental e apoio em tecnologia, poderia tornar a intervenção de qualidade mais acessível e sustentável.
Cada criança autista merece a chance de desenvolver todo o seu potencial, e garantir essa oportunidade deve ser uma responsabilidade coletiva.
*Noemi Takiuchi é coordenadora do Núcleo de Autismo do Instituto PENSI