A médica geneticista Rosenelle Araújo explica como funciona o teste da bochechinha
Fernanda Fernandes* Publicado em 06/08/2022, às 09h00
A triagem neonatal é uma das etapas importantes após o nascimento do bebê, pois é através dela que é possível identificar precocemente enfermidades graves que podem afetar o desenvolvimento do indivíduo futuramente.
Sendo obrigatória para todos os bebês que nascem no Brasil, ela conta com um conjunto de exames, entre eles: teste do pezinho, teste do olhinho, teste da linguinha, teste do coraçãozinho e teste da orelhinha. Sendo todos realizados de forma gratuita pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Mas atualmente, além dos principais exames destacados acima, outros procedimentos são desenvolvidos por laboratórios para identificar novas doenças. Um deles é o teste da bochechinha, que é o primeiro teste de triagem neonatal genético do Brasil.
O teste genético da bochechinha é um exame complementar aos exames básicos de triagem neonatal, que consegue detectar simultaneamente diversas condições que não são identificáveis por outros exames e que podem ser tratadas ou reduzidas precocemente, quando diagnosticadas.
“ É um exame que é baseado em sequenciamento de nova geração. Ele detecta variantes que são identificadas no DNA que podem estar associadas com o aumento de risco de desenvolvimento de doenças. Esse método de sequenciamento de nova geração já era utilizado para diagnóstico, e agora, com a triagem neonatal molecular, ele está sendo empregado nesse contexto de triagem. O teste tenta identificar essas variantes, que são reconhecidamente causadoras de doenças em pacientes assintomáticos, para tentar descobrir se eles correm risco de desenvolver essas doenças no futuro”. É o que explica detalhadamente a médica geneticista do Sabin Medicina Diagnóstica, Rosenelle Araújo.
O procedimento detecta mais de 390 condições genéticas. E alguns exemplos de grupos de doenças que são analisadas são: imunológicas, hematológicas, endócrinas, renais, pulmonares e neurológicas. E vale ressaltar que, até o momento, é um procedimento realizado apenas na rede particular.
O teste da bochechinha é realizado a partir de uma amostra coletada da parte interna da bochechinha do bebê. A coleta ocorre através de um cotonete estéril (swab). Sendo um procedimento indolor e rápido.
A partir dessa amostra, são realizados os procedimentos para extração do DNA. Esse DNA extraído passa por um processo de sequenciamento e esses dados sequenciados são analisados. Por meio desses dados são analisados mais de 390 genes, que são associados com essas condições que são de início precoce e potencialmente tratáveis.
Justamente por ser um exame de triagem, o alvo são crianças assintomáticas. A faixa etária ideal para realização do exame é o primeiro mês de vida do bebê. Até porque alguns dos achados, às vezes, tem um prazo extremamente limitado para começar o tratamento. Então, o diagnóstico precisa ser precoce.
Mas do ponto de vista técnico é um exame que realmente não teria nenhuma limitação de idade para ser feito, mas ele não vai ter utilidade clínica em um paciente mais velho.
O principal exame da triagem neonatal é o teste do pezinho, e por isso, uma dúvida que surge é, “o teste da bochechinha substitui o teste do pezinho?”.
Rosenelle Araújo afirma que não, e diz que os dois testes são importantes para questões diferentes. Ela explica que o fato da criança ter feito o teste do pezinho não torna desnecessário o exame genético da bochechinha. Pois ao realizar os dois testes, a criança tem uma alteração enzimática e tem a informação da alteração genética que levou àquele diagnóstico. Então, várias das doenças que estão no teste do pezinho também estão no teste genético da bochechinha, pois dessa forma é possível ter essa confirmação.
O teste do pezinho continua sendo obrigatório. A médica conta em entrevista, que através dele é possível identificar as condições que são mais prevalentes na população com base num diagnóstico predominantemente bioquímico e enzimático. Ele vai identificar como se fossem as alterações biológicas que podem ser uma repercussão das alterações genéticas que o indivíduo pode ter.
Além disso, o teste do pezinho também inclui hipotiroidismo congênito, que pode ter causas, inclusive autoimunes, ou seja, uma criança pode nascer com hipotireoidismo congênito e o teste genético da bochechinha pode vir negativo porque a causa não é genética, é uma causa relacionada a questões autoimunes, a questões multifatoriais. As infecções congênitas também estão incluídas no teste.
Porém apesar de o teste ser benéfico, ao realizá-lo os familiares ficam preocupados e ansiosos com os possíveis resultados. Pensando nisso, conversamos com a Dra. sobre como é essa recepção do diagnóstico quando ele é positivo e como apresentá-lo.
Ela comenta que na maior parte das vezes em que precisou informar sobre algum resultado alterado, foi uma recepção bastante tranquila e que em alguns casos as famílias já estão cientes das possibilidades, por já terem um histórico familiar da doença.
Mas em algumas situações existe realmente essa questão da preocupação, da ansiedade com o diagnóstico, e pensando nisso a médica explica que ao informar o resultado, só são reportadas as variantes que são reconhecidamente causadoras de doenças.
A gente sabe que reportar variantes de significado desconhecido não traria nenhum benefício. E do ponto de vista psicológico, seria muito mais danoso para as famílias”.
Quando ocorre o sequenciamento do teste da bochechinha, podem ter 5 tipos de variantes identificadas, incluindo variantes que são de significado incerto. Esse tipo de resultado não é pertinente no teste genético da bochechinha. Ele não é informado na triagem neonatal molecular, pois na imensa maioria das vezes não tem nenhum significado clínico. Segundo a especialista, 90% das vezes essas variantes, quando são reclassificadas, são consideradas benignas - não causadoras de doenças.
Apesar de surgir uma ansiedade, que é normal, por outro lado, é importante pensar que realizar o exame e receber o diagnóstico o quanto antes gera a oportunidade da criança evoluir, de forma que não tenha sequela ou que tenha um nível de funcionalidade e de desenvolvimento muito maior do que se tivesse diagnosticado tardiamente.
O que a gente está fazendo é trazer essa informação em um momento em que ela vai ser aproveitada ao máximo. Em um momento em que as intervenções vão ser mais efetivas”.
Outro ponto é que, os médicos não estão dando o diagnóstico de condições que não são passíveis de tratamento ou que não possuem uma conduta a ser adotada. Eles informam resultados que são acionáveis, em que existem medidas que podem ser adotadas para a melhora do quadro clínico, ou para evitar que o paciente desenvolva sintomas.
*Fernanda Fernandes é repórter