É fundamental incluir as crianças no processo da eleição para, desde já, aprenderem o que é a política
Ivy Farias* Publicado em 03/10/2024, às 06h00
Amara e Leela estiveram no palco da Convenção Democrática deste ano ensinando como pronunciar o nome de sua tia-avó, Kamala Harris. Seria comum não fosse a idade das garotinhas: com oito e seis anos, respectivamente, as meninas ganharam atenção mundial por participar de um processo eleitoral.
No Brasil a situação é completamente diferente — especialmente em São Paulo, onde o pleito se tornou uma espécie de disse-me-disse em torno de um candidato ao invés de um debate de propostas. As eleições municipais são as mais importantes para crianças e adolescentes, pois as cidades são responsáveis pelos cuidados básicos.
Quem diz isso é a Constituição ao atribuir ao município obrigações como creches, por exemplo. Outro? Vacina (oferecida por Unidades Básicas de Saúde). Passeio na pracinha, transporte até a casa do avô?! Tudo responsabilidade municipal. Sendo assim, o lógico seria que as candidaturas à prefeitura e à Câmara tivessem isso como centralidade correto?
Errado: literalmente esqueceram das crianças, seja na hora de formular pautas ou incluí-las como fez Kamala nos Estados Unidos. A Constituição não atrela à ideia de cidadania ao voto. O fato de as crianças não votarem não significa que não podem participar das discussões que, literalmente, mais afetam suas vidas.
Além de ter planos de governos com projetos para a infância, o processo eleitoral também deve incluí-las. Ainda segundo a Carta: crianças e adolescentes são prioridade absoluta do Estado, da família e da sociedade. Isso significa que partidos deveriam criar programas como o PSDB fazia, o Clube dos Tucaninhos (Bruno Covas, único prefeito a falecer no cargo na Capital, tinha orgulho de ter participado das atividades políticas infantis).
Poucas são as candidaturas dialogando com este público: em Osasco, Jessica Scapin (PSB) fez desenhos para colorir e o adesivo “Eleitor em Treinamento”; em São Paulo, Marina Bragante (REDE) apresenta propostas para as crianças com linguagem própria e ambientes lúdicos enquanto no Rio de Janeiro, Thais Ferreira (PSOL), faz atos de campanhas para os pequenos.
Todas mulheres. O único bendito fruto, Eliseu Gabriel (PSB), candidato à reeleição em São Paulo, com uma agenda de educação política. Como se a pauta das crianças fosse feminina. Não é.
A Constituição, texto que a maioria dos candidatos parece sequer ter lido, está sendo desrespeitada. A infância também porque, pelas cabeças, destas pessoas, não gera engajamento em redes sociais. Não engendra futuro também.
É de suma importância que as crianças estejam em primeiro plano nos debates municipais pela dependência que têm de seus serviços segundo o desenho constitucional. Assim como é fundamental incluí-las no processo eleitoral para, desde já, aprenderem o que é a política, essencial ao desenvolvimento humano e ao exercício da cidadania. E, sobretudo, que as candidaturas majoritárias dêem espaço para suas vozes infantis mais do que vimos na América. Hoje, para as crianças, as eleições são um verdadeiro “esqueceram de mim” quando justamente elas deveriam ser prioritariamente lembradas.
*Ivy Farias é advogada em São Paulo dedicada ao direito da criança e do adolescente.