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A ameaça ao direito à amamentação em empresas

Mulheres que são mães ainda lutam muito para ter garantidos seus direitos à amamentação no local de trabalho e à creches para seus bebês

Marisa Marega* Publicado em 14/10/2022, às 10h39

Lugar de amamentar é em todo lugar - Fonte: banco de imagens pexels
Lugar de amamentar é em todo lugar - Fonte: banco de imagens pexels

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, em 22 de setembro, que a educação básica é um direito fundamental e garantido pela Constituição. Portanto, o Estado deve assegurar o atendimento em creche e pré- escola a todas as crianças até os cinco anos de idade.

Mas, nem tudo está claro. A medida provisória MP 1116/22 aprovada pelo Senado, no último dia de agosto, traz uma série de modificações na legislação trabalhista através do programa Emprega + Mulheres e Jovens. Sob o pretexto de atualizar o mercado de trabalho, a alteração incluiu no texto um jabuti disfarçado de modernização: desobriga as empresas com mais de 30 funcionários a terem local para amamentação.

A MP diz no artigo 2°: “Ficam os empregadores autorizados a adotar o benefício de reembolso-creche", auxílio que é concedido às funcionárias ou funcionários que tenham filhos de até seis anos de idade. Os valores são destinados ao pagamento de creche ou pré-escola. Com isso, a empresa não precisa mais ter um espaço em suas dependências para as lactantes e os bebês, o que é garantido pela CLT.

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Repercussão

A medida é polêmica e, na realidade, é um ataque ao direito à amamentação. Alguns senadores até tentaram retirar este ítem do texto, mas foi em vão. A senadora e médica Zenaide Maia, do PROS do Rio Grande do Norte, disse em pronunciamento no parlamento que "a medida é um retrocesso", pois a Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que os bebês devem ser amamentados exclusivamente no peito até o sexto mês. Como a licença-maternidade é de quatro meses, fica um vácuo de dois meses.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também recomenda que “as crianças devem ser alimentadas apenas com leite materno até os seis meses de idade”. Isso porque os bebês ficam menos doentes e são mais bem nutridos do que aqueles que ingerem qualquer outro tipo de alimento. "Com certeza a criança vai adoecer muito mais. O leite, a alimentação dela, é bem mais específico. É mais fácil alimentar a mãe e disponibilizar esse espaço adequado para ela amamentar nesse período", explicou Dra. Zenaide.

Bons exemplos

No Brasil, muitas empresas já possuem locais adequados para a amamentação. O Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, mantém uma creche para que as mães amamentem os seus bebês.

Gabriela Dias, fisioterapeuta, que atua como assistente de direção do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de SP (Incor), é uma das mães que amamentam na creche. Ela conta: “Tenho dois filhos que frequentam o Centro de Desenvolvimento de Educação Infantil (CEDEI), o Arthur de dois anos e a Isabel de 10 meses. Acho super importante o benefício de deixar meus filhos na creche durante minha jornada de trabalho. É uma tranquilidade compartilhar os cuidados deles com a instituição. Sou privilegiada em poder amamentar a Isabel até hoje e ter momentos com ela durante meu expediente. Do ponto de vista nutricional, o leite é o alimento padrão ouro, não tem nada melhor para alimentar e fortalecer o sistema imune dos filhos. E do ponto de vista emocional, fortalece o vínculo mãe e filho".

É sabido que a amamentação também é benéfica para a saúde da mulher. Gosto muito de ter meus filhos por perto e saber que eu estou à frente da rotina deles, assim me sinto uma mãe e profissional protagonista.”(Gabriela Dias, mãe)

Outra colaboradora que amamenta na creche do HC é Paula Cristina da Silva Sousa, secretária do Centro de Medicamentos de Alta Complexidade/Reumatologia do hospital. Ela narra que é um privilégio e que isso tem uma importância imensurável para as mães. ”Confesso que travei guerras internas durante todo o período de gestação e licença-maternidade, pensando se voltaria de fato ao mercado de trabalho. Mas desde a entrevista com a psicóloga, enfermagem e nutricionista e, no final do processo, com as educadoras e pedagogas, fui mudando o conceito e me encorajando a voltar ao trabalho. Tive a cada etapa uma surpresa positiva. Hoje já adaptada à rotina, posso afirmar que me sinto valorizada, tendo a oportunidade de trabalhar e ainda assim continuar com o vínculo mãe e bebê fortalecido."

Na sala de amamentação, recarregamos nossa energia de amor, além de trocar experiências com outras mães. Precisamos trabalhar para ter autonomia. E este acolhimento é indispensável, para continuarmos inseridas ao mercado de trabalho sem danos e sem exclusão.” (Paula Sousa, mãe)

Já Patrícia Silva, que trabalha no Centro de Gestão de Pessoas (RH) do Instituto do Coração, lembra: “Por mais que haja o receio de volta ao trabalho presencial, por conta da pandemia, sinto-me tranquila em poder amamentar meu bebê neste período que é crucial para o desenvolvimento dele, sem falar na possibilidade de estarmos juntos, sabendo que poucos andares nos separam".

É um alívio saber que além de estar cuidando do desenvolvimento do meu filho, também consigo desenvolver minhas tarefas do trabalho, que não são poucas.” (Patrícia Silva, mãe)

A visão dos benefícios de manter uma creche no local de trabalho é evidente. A Gerente Corporativa de Recursos Humanos do Hospital das Clínicas FMUSP, Jacqueline Galli, ressalta que sem a opção da creche corporativa, as mães precisariam retirar o leite com bombas ou fazer a introdução da mamadeira antes do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde, pelo UNICEF e pelo Ministério da Saúde.

“Aqui no HCFMUSP, promovemos o que é recomendado: amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de idade e, depois desse período, até os dois anos oferecemos como complemento a outras refeições, que eles recebem no CEDEI. A creche no local permite que nossas colaboradoras possam voltar para o trabalho sem a preocupação de ter com quem deixar o seu bebê, sem o sofrimento da ruptura da separação, sem o impacto para o aleitamento materno. E com a crescente ascensão das mulheres no mercado de trabalho, muitas ainda precisam deixar a carreira de lado quando optam pela maternidade. Então, para nós que somos 68% das mulheres aqui, o investimento na creche significa oportunidade para elas continuarem progredindo em sua carreira.”

A preocupação com a mudança da legislação é geral entre as autoridades no assunto. Segundo César Victora, especialista em desnutrição infantil: “O novo texto da lei 1116/22  é um retrocesso, já que a Constituição de 1988 prevê a creche como direito de todas as crianças e trabalhadores. A ausência delas próximas ao trabalho materno é um dos principias fatores para a introdução de fórmulas lácteas e interrupção precoce do aleitamento exclusivo prescrito até o sexto mês de vida e sua continuidade até dois anos ou mais, comprometendo o desenvolvimento saudável das próximas gerações”.

A Doutora em Ciências da Saúde pela Unifesp, Damaris Gomes Maranhão, também Mestre em Enfermagem Pediátrica, é categórica sobre os benefícios da amamentação no local de trabalho: “A creche corporativa e a cultura da empresa de suporte às mulheres e suas famílias tem um impacto positivo no processo de aleitamento, cuidado e educação das crianças, saúde psicofísica dos colaboradores, e diminui inclusive o estresse e a rotatividade dos trabalhadores na empresa.”

Lembrando que todas as creches, de empresas, particulares ou públicas, devem oferecer às mães um espaço para a amamentação ou a retirada do leite e devem também armazenar o leite materno trazido de casa para oferecer ao bebê quando a mãe não estiver. Mais um direito que todas as mães devem saber que existe, para exigirem que isso seja cumprido.

*Marisa Marega é jornalista e repórter do site Mariana Kotscho