É preciso ensinar nossos filhos sobre o consumo para que cresçam adultos mais equilibrados
Adriana Drulla* Publicado em 10/11/2022, às 06h00
Toda mãe e pai que lida com o discurso pidão do filho sabe que na cabeça da criança existe uma confusão entre querer e precisar. Quando a criança pede, ela de fato acha que precisa daquilo. Pedidos insistentes são inconvenientes e cansativos, tanto que muitas vezes cedemos e compramos o que desejam. Mas pedidos insistentes são também oportunidades para ensinarmos importantes lições. Por exemplo, a diferença entre querer e precisar.
Sabemos que realizar todos os desejos da criança pode deixá-la mimada e exigente. Mas, na minha visão, o buraco está muito mais embaixo. Realizando todos os desejos de consumo do seu filho, você pode prejudicar a percepção que ele tem sobre o próprio valor. A explicação é simples. A criança diz que precisa dos brinquedos da moda porque de fato acredita que eles preencherão uma necessidade. Por exemplo, por trás do argumento “mas todas os meus amigos têm” está o fato de que ela se sente excluída, ou diferente do grupo, sem o objeto.
Ter o objeto do desejo atrai a atenção alheia. Ou seja, além do prazer imediato, o consumo faz com que a criança se sinta socialmente valiosa – claro que temporariamente. Ela aprende que o lugar que tem no grupo depende do que possui. Ou seja, fica subentendido que ela precisa ter coisas interessantes para ser interessante. O consumismo produz crianças inseguras.
Ao mesmo tempo, aprendemos a ser materialistas quando usamos o consumo para ganhar status e relevância social desde pequenos. O consumismo é um ciclo vicioso que se alimenta da nossa insegurança. Pessoas materialistas colocam o que têm acima do que são. Elas acreditam que a posse – ou falta dela – é a maior fonte de suas satisfações ou frustrações. Portanto, aquilo que elas possuem, ou desejam possuir, assume papel central em suas vidas.
Mas fato é que vivemos em uma sociedade consumista. O consumo é incentivado em todo lugar – principalmente o consumo infantil. Pesquisadores estimam que as crianças influenciam em torno de 80% das decisões de compra das famílias. Ou seja, existe uma indústria multimilionária esforçando-se para seduzir nossos filhos a comprar. No entanto, nós podemos ajudá-los a construir um senso crítico a respeito da publicidade e ensiná-los a lidar com os desejos de compra. Para isso considere os sete passos abaixo:
Costumamos apontar o dedo para os nossos filhos, acusando-os de não usar aquilo que nos pedem. Achamos que fazem isso porque não dão valor às coisas. No entanto, é bem o contrário o que acontece. Nossos filhos nos pedem com tanta insistência porque dão valor demais aos objetos de desejo. Eles acham que precisam da LOL, do squish toy, do tênis, da mochila.
Considere que a criança está seduzida pelo discurso da mídia e o encanto dos amigos. Considere que convencer uma criança não é nada complicado – segundo pesquisa, leva apenas 30 segundos para uma propaganda convencer uma criança a comprar. Portanto, é natural que seu filho seja pego. É natural que ele superestime o valor do objeto, descarte-o e seja convencido a comprar outra coisa. Não faz sentido brigar e acusar uma criança que é vítima de um sistema de consumo instalado muito antes dela vir ao mundo. Além do mais, acusar o seu filho de consumista não ajuda que ele construa recursos para lidar com os apelos da mídia. Para isso, ele precisa do seu apoio. Portanto, comece estabelecendo uma conexão. Para isso, normalize o desejo que ele sente com empatia. Diga que você entende que ele queira comprar o que os amigos têm e aquilo que aparece nas propagandas. Diga que você também se sente frustrada quando não pode comprar o que deseja.
Não existe mais um espaço definido para a publicidade. Se antigamente ela se limitava às propagandas de televisão, hoje ela está nos jogos eletrônicos, nos vídeos do YouTube, nas redes sociais. Mesmo existindo leis e regulamentação para a publicidade infantil, é infinitamente mais difícil fiscalizar propagandas virtuais. Acrescente a isto os vídeos do YouTube e redes sociais – feitos por outras crianças que estão em casa com os seus pais, portanto mais difícil ainda de serem regulamentados. Pois bem, em um mundo deste tipo, a melhor solução é conversar com seu filho e ajudá-lo a construir um senso crítico sobre a publicidade.
A ideia é ajudá-lo a entender que as propagandas são feitas por pessoas interessadas em vender produtos. Portanto, é lógico que venderão mais as propagandas que forem mais sedutoras. Os consumidores são seduzidos pela fantasia construída em torno do produto que acaba trazendo muito menos satisfação do que antecipamos.
À primeira vista parece ser uma conversa um tanto complicada, porém é perfeitamente possível dialogar com crianças – mesmo pequenas – sobre o assunto. Para isso, faça perguntas e construa com a criança o raciocínio. Veja este exemplo:
– Filho, como será que as propagandas foram parar na televisão/no YouTube?
– Ah, eu acho que a pessoa que vende este carrinho deve ter mandado fazer, né?
– Claro, porque ela quer vender muito! Eu, no lugar dela, faria uma propaganda bem bonita para convencer todo mundo a comprar os meus carrinhos. O que você acha? Nossa, ela conseguiu mesmo fazer uma propaganda bonita, e estou vendo que a propaganda até te convenceu. Às vezes, as propagandas me convencem também.
– Lembra daquele vídeo que a gente viu do último carrinho que compramos? Parecia que ele era muito legal. Eu achava que ele seria enorme e super rápido, parecia até que ele subiria na parede! Mas na verdade ele não era bem assim né. Você até esqueceu de brincar com ele.
– É… ele não era tão legal como mostrava o vídeo.
– Às vezes a propaganda engana a gente, né?
É comum explicarmos que não vamos comprar porque a criança descarta quase tudo que ganha. Às vezes, até usamos exemplos: você não usa mais isso nem aquilo. No entanto, a criança não tem noção exata do que você está falando. É difícil que crianças construam uma ideia concreta a partir de um discurso que é abstrato. Portanto, se você costuma se desfazer ou doar os objetos que ela não usa mais, fotografe-os antes e imprima as fotografias. Ou então coloque-os em uma caixa para que ela possa ver de forma concreta os objetos descartados nos últimos tempos. Quando a criança te pedir um novo item, conte junto com ela quantos objetos ou fotografias tem dentro da caixa. Converse sobre como ela desejou esses objetos e como rapidamente deixou de brincar com eles. Mas, não se esqueça: faça isso com empatia em vez de usar os objetos descartados como provas contra a criança. A ideia não é acusá-la, mas ajudá-la a entender que é natural iludir-se a respeito dos objetos que não tem. A ideia é tornar concreto para ela o fato de que somos levados a comprar coisas que acabam não sendo tão interessantes assim. E que isso acontece com todos nós.
Além de conversar com seu filho sobre o desperdício, você também pode ensiná-lo que comprar é uma escolha e que tem um custo. Uma boa forma de ensinar isto, é dando uma mesada ou estipulando um valor mensal que ele possa gastar em coisas supérfluas. Se ele ainda não tiver maturidade para administrar o dinheiro, você pode fazer isto por ele. Quando surgir o desejo de compra, lembre-o sobre quanto ele tem e que se escolher este objeto, terá que deixar de consumir outras coisas. Se mesmo assim ele decidir comprar e acabar a mesada, não socorra dando um pouquinho a mais caso surja um programa interessante. O custo da compra é tudo aquilo que ele não poderá comprar uma vez que já gastou o dinheiro. Entender o custo da compra inclui sentir-se frustrado por não poder ter outras coisas. É assim que a criança aprende a ponderar seus desejos e considerar o custo-benefício dos itens que deseja.
É natural que a criança se sinta excluída quando todos os amigos têm algo que ela não tem. É natural que ela queira um objeto para se sentir igual aos amigos. No entanto, se o consumo da criança tem como motivação que ela se sinta bem a respeito de si mesma, ou sinta que tem valor social, isso só contribui para instalar a crença de que ela vale o que tem, e não o que é. Se notar este desconforto em seu filho, não tenha medo de nomeá-lo e normalizá-lo. Uma vez que você diz para ele que entende o que ele sente, você ganha espaço para conversa. Então, explique sobre a questão da publicidade, do custo das compras e sobre como somos iludidos pela propaganda. Lembre seu filho que compras são escolhas e que se escolhermos comprar todos os objetos da moda, teremos que ficar sem coisas importantes. Use exemplos para que ela entenda que não gostamos ou deixamos de gostar das pessoas por conta do que elas possuem. Conforte-a dizendo que os amigos de verdade não deixarão de amá-la porque ela não tem determinado objeto. Se você perceber que o grupo de fato exclui crianças por suas posses, converse com os adultos responsáveis e considere se este é o melhor lugar para seu filho.
Não use o consumo como prêmio. Por exemplo, não combine com ela que se dormir sozinha, tirar boas notas, ou ganhar um número de estrelinhas, levará um presente como recompensa. Limite o tempo de tela e prefira programas a cabo, cuja publicidade é melhor monitorada do que na internet. Atente-se para as redes sociais e não permita que o seu filho assista conteúdo impróprio para a idade. Procure proporcionar experiências agradáveis à criança que não envolvam consumo – por exemplo um passeio no parque ou chamar um amigo para passar a tarde em casa. Incentive brincadeiras físicas ou artísticas em vez de telas – correr, pular corda,
amarelinha, bola, bicicleta, colagem, pintura, desenho.
Acima de tudo, reflita sobre o exemplo que seu filho recebe dentro de casa. De nada adianta o discurso se a sua prática for outra. O seu filho lhe tem como modelo. Portanto, considere se você consome coisas de que não precisa. Perceba o quanto você também é iludido pela propaganda. Reflita se você compra objetos pela utilidade que têm ou pelo status que lhe dão. Converse com seu filho sobre o que você tem percebido em você. Normalizar para a criança que você também enfrenta desafios de consumo como ela cria cumplicidade entre vocês e abre espaço para o diálogo. Lembre-se de que é impossível ser perfeito também, e que o caminho do meio pode ser um bom objetivo.