Antonia conta sua história com o álcool e sua jornada de recuperação graças ao grupo Alcoólicos Anônimos
Antonia* Publicado em 19/08/2023, às 06h00
Aos 19 anos, descobri Alcoólicos Anônimos (A.A.). Tornar-me parte dessa irmandade foi uma das melhores decisões que tomei na vida. Vindo de uma família com alguns membros dependentes químicos, a ideia de beber sempre pareceu natural para mim.
Comecei a consumir álcool aos 12 anos e desde o primeiro gole, percebi que meu padrão de consumo era diferente dos meus amigos. Lidava frequentemente com "apagões" (perdas lacunares de memória), comportamentos desmoralizantes e, por vezes, agressivos. Minha interação com o álcool me levou ao fundo do poço. Tomei más decisões e acreditava que minha personalidade era o cerne do problema. Surpreendentemente, não conectava esse sofrimento ao meu relacionamento disfuncional com a bebida.
Com 17 anos, minha relação com o álcool evoluiu para um uso intenso, crônico e prejudicial, frequentemente combinado com substâncias ilícitas. Tinha muitos sonhos na adolescência e eles pareciam cada vez mais inalcançáveis. Aos 18 anos, comecei a depender de estimulantes na tentativa de passar no vestibular, o que se transformou em um ciclo de estudos e uso abusivo de substâncias - um verdadeiro tormento.
Por alguma graça do destino, consegui ingressar na faculdade de medicina, acreditando que finalmente tinha a liberdade para beber e usar, afinal, "na faculdade somos todos adultos livres” - eu pensava. No entanto, logo no primeiro ano de medicina, confrontei a realidade que tanto tentei evitar: as pessoas não consumiam álcool e substâncias como eu.
Na faculdade, escondia meu consumo de álcool e usava drogas sozinha para mascarar minha disfuncionalidade e inadequação social. Após enfrentar muitos momentos dolorosos e humilhantes, finalmente me rendi. Aceitei minha incapacidade de lidar com a bebida e admiti que era, sem dúvida, alcoólatra.
Ingressei em A.A. aos 19 anos, no final do meu primeiro ano de faculdade, e não hesito em afirmar que essa irmandade salvou minha vida. Na verdade, AA me presenteou com uma nova vida.
Minha jornada de recuperação é um milagre cotidiano. Consegui me graduar em medicina, conheci meu marido na Irmandade e celebramos um casamento lindo, sem o envolvimento do álcool. Em nosso lar, temos respeito, comunicação e honestidade. Consegui passar no concurso de residência médica e abri meu próprio consultório. Hoje, tenho dignidade, tomo decisões conscientes sobre minha vida e faço projetos a longo prazo, pois aprendi a me planejar.
Hoje eu amo minha vida, defino metas e prioridades, mas todos os dias relembro que o mais vital é evitar o primeiro gole. Apenas assim posso alcançar todas as outras conquistas.
Vivo um dia de cada vez, sem consumir álcool - a filosofia do "só por hoje" também se aplica a diversas áreas da minha vida.
Escrever sobre minha jornada me traz uma felicidade imensa.
É um milagre.
*Antonia tem 26 anos, mora no Rio de Janeiro e é uma alcoólica em recuperação (nome fictício, preservando o anonimato).
Saiba mais sobre o alcoolismo:
Se você se identificou com a história da Antonia, busque ajuda. A dependência do álcool é uma doença crônica, assim como a diabetes e hipertensão, e multifatorial, o que significa que diversos fatores contribuem para seu desenvolvimento. Há opções de apoio e tratamento gratuitos do Brasil, como os grupos de mútua ajuda e Alcoólicos Anônimos (A.A.) é um exemplo, com reuniões diárias presenciais ou remotas. Só no Rio de Janeiro são cerca de 450 grupos de A.A., sendo 250 na região metropolitana. Para quem precisa de ajuda, é possível localizar o grupo mais próximo, acionar as Linhas de Ajuda ou baixar o aplicativo. Para encontrar uma das 58 reuniões femininas no Brasil, clique aqui!