Mariana Kotscho
Busca
» HISTÓRIA DE VIDA

Os prós e contras de ter sido criado pelos avós

Criado pelos avós, Bruno Corano é economista e investidor em Nova Iorque, nos Estados Unidos

Bruno Corano* Publicado em 29/04/2024, às 06h00

O economista Bruno Corano
O economista Bruno Corano

Há uma frase antiga que diz que levamos a vida toda para nos recuperarmos da nossa infância. A mensagem é forte e eu concordo em parte com ela. Existem coisas boas e ruins nos primeiros anos de existência, e, sem dúvida, elas esculpem o que somos hoje.

A vida adulta, porém, nos dá elementos para ressignificar os acontecimentos, principalmente os dolorosos. Com meus pais conheci mundos completamente diferentes e tentei tirar o melhor de cada um deles.

Meu pai veio de uma família com bons recursos financeiros e intelectuais. Já minha mãe tem origem muito humilde. Meu avô, por parte de pai, é alemão e imigrou para o Brasil, juntamente com os pais, nas épocas da primeira e segunda guerras. Minha avó era portuguesa. Os pais da minha mãe nasceram no Brasil, eram de origem libanesa e pobres.

Veja também

Meu pai e minha mãe se conheceram nas férias de verão na Praia Grande, litoral de São Paulo, nos anos 70. Ela tinha 16 anos, e ele, 20 anos. Foi um amor de verão. Mas minha mãe engravidou. Os pais de ambos forçaram o casamento, embora o casal não demonstrasse essa vontade. Eram estranhos, não tinham afinidade. Mesmo assim a união das duas crianças, esperando outra, aconteceu. Nasceu minha irmã.

Minha mãe não continuou os estudos. Ela cursava o antigo colegial. Para meu pai, o casamento nada representou. A vida dele seguiu de forma paralela ao relacionamento. Ele só mantinha a situação porque dependia do dinheiro do meu avô, pai dele, que exigia a permanência da relação. Meu pai tinha várias namoradas e, naquela época, estudava para ser piloto de avião.

Mas, às vezes, meus pais ficavam juntos e, cinco anos depois, veio a segunda gravidez. E eu nasci. Meu pai já não precisava dos recursos do meu avô, e saiu de casa (antes mesmo de minha mãe voltar para casa da maternidade) deixando-a, que tinha 21 anos à época, com dois filhos pequenos. Não havia dinheiro para comida e nem para quitar as despesas da casa.

Meus avós paternos começaram a ajudar. No princípio, com mantimentos e dinheiro. Depois, eu e minha irmã começamos a ficar na casa deles para minha mãe ter mais liberdade para procurar emprego. E antigamente não é como hoje, com a possibilidade de fazer contatos pela internet. Ela tinha que imprimir currículo e bater de porta em porta. Muitas vezes minha mãe ficava cansada com todo esse processo, não tinha carro, e eu e minha irmã começamos a também dormir na casa dos avós paternos.

Fomos ficando e ficamos de vez. Deve ter sido uma decisão difícil para minha mãe, mas acabou sendo um privilégio para mim, porque ela não tinha a mínima estrutura para criar ninguém do ponto de vista intelectual, emocional ou econômico-financeiro. Meus avós tinham dinheiro, eram esclarecidos e nos criaram como se fossem nossos pais.

Minha mãe nos visitava de vez em quando. Quando eu completei 14 anos ela se mudou para os Estados Unidos e não retornou ao Brasil. E meu pai nunca mais voltou. Na verdade, nem com meu avô ele tinha contato. Conversei com meu pai algumas poucas vezes. Ele morreu há alguns meses.

Fui crescendo e, como adolescente, não dava muita atenção para esse assunto. Eu queria ficar com amigos, andar de bicicleta e me divertir. Meu avô tinha um clube e eu ficava lá todo fim de semana. Eu via que meus amigos moravam com pai e mãe e eu, com meus avós. As pessoas me perguntavam se eu não sentia falta de viver com meus pais. Mas não é possível ter saudade de algo que não conhece. Eu nunca morei com meus pais, juntos.

Eu não fiquei revoltado com a rejeição e abandono de meus pais. Resumindo, não fui um adolescente problemático. Ao contrário, era bem estudioso e sempre fui o primeiro da sala. O clima era de harmonia em casa. Minha irmã, ao contrário, teve vários problemas e se envolveu com drogas. Eu tinha tudo o que um garoto precisava, inclusive liberdade, mas meus avós eram bastante rígidos com relação aos estudos.

Isso tudo trouxe repercussões positivas e negativas. Já mencionei que tive contato com dois mundos. Eu morava numa casa gigante com meus avós paternos, com vários quartos, seguranças, muro alto e cachorros. Quando eu ia visitar meus avós maternos, ficava num apartamento bem pequeno e humilde. Eram extremos.

Prefiro ressaltar o aprendizado que tive com aspectos positivos da minha criação, da minha origem. Desde cedo soube que cada um de nós está sozinho. Meus avós sempre diziam “se nós faltarmos, você estará por conta própria”. Eles me prepararam bem. Hoje não preciso da aprovação social ou do sentimento do outro para viver. Fiz terapia por 22 anos de forma ininterrupta. Parei no meio da pandemia. Comecei a perceber que era apenas mais um compromisso na agenda.

A minha história trouxe o desejo de alcançar a independência financeira. Quando eu cheguei perto dos 15 anos, comecei a aprontar. Meu avô me dava muito dinheiro para sair, e eu gastava tudo com a turma e com as meninas. Mas minhas notas começaram a cair. Meu avô reagiu, cortando todas as regalias, principalmente o dinheiro.

Essa foi uma das principais lições. Saber me virar sozinho e nunca mais depender de ninguém. Consegui trabalho na cantina da escola e, meses depois, comprei o negócio. Hoje sou uma pessoa desconfiada. Eu só confio numa pessoa depois que ela me mostra que merece. É uma construção, início do zero.

Essa “praticidade” e independência na vida financeira se repete na vida afetiva. Eu não crio dependência emocional. Há uma dificuldade de criar laços mais profundos. Isso é bom e ruim, não há certo, nem errado. Se um dia eu tiver filhos, pode ser um grande aprendizado.

A minha percepção sobre as pessoas que alcançam algum tipo de sucesso na vida é um pouco polêmica. Não todas, mas muitas delas saíram de famílias problemáticas, com brigas, desrespeitos, necessidades e abusos. Os indivíduos que viveram coisas assim são diferenciados e esforçados. É preciso tirar proveito do que se vive.

*Bruno Corano é economista e investidor da Corano Capital e apresentador do Manhattan Connection