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O que faz uma mulher correr riscos para criar novos caminhos?

Eu sei o que faz. Porque fui essa mulher e continuo sendo, em busca de novos caminhos

Simone Palladino* Publicado em 04/09/2025, às 06h00

Que caminho seguir? - pexels
Que caminho seguir? - pexels

Existe um silêncio que só nós, mulheres, escutamos quando decidimos liderar. E não é o silêncio da paz. É o da dúvida alheia. O “será que ela dá conta?”, o “quem cuida dos filhos?”, o “ela não está exagerando?”. Aprendi a construir e seguir nesse vazio de referências: sem manual, sem rede, sem aplausos.

A liderança não veio pra mim como escolha. Veio como urgência. Havia estruturas demais para levantar, mundos demais para transformar e alguém precisava assumir o volante. Eu assumi.

No início dos anos 2000, entrei num dos ambientes mais masculinos que se pode imaginar: o Rally dos Sertões. Barulho, poeira, risco. Quase ninguém esperava ver uma mulher comandando tudo aquilo, sendo diretora executiva. E lá estava eu. Grávida em pleno Paris-Dakar, mãe de três meninas pequenas, liderando operações em regiões remotas, com soldados armados, tempestades de areia e toneladas de logística pra dar conta.

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Mas não era só logística. Era emoção. Era medo. Era um desejo profundo de que tudo desse certo. Eu dizia: “É uma emoção muito forte. Ver todos chegarem ao fim, ver um ano inteiro de trabalho se realizando em dez dias de prova. O desejo de que tudo fique bem, que ninguém se machuque, que possamos respirar em paz à noite, é uma montanha de responsabilidade.”

Foi ali que eu entendi: a liderança feminina é feita de matéria invisível. Se mede em escuta, em intuição, em coragem solitária. É encontrar sentido no meio do caos. É sentir medo e ir com medo mesmo. Porque coragem, no fundo, é isso. Continuar, mesmo sem garantias.

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Simone Palladino

E não dava para parar diante de críticas. Como escreveu Chimamanda Ngozi Adichie: “Não devemos ensinar às meninas que elas precisam ser agradáveis. Devemos ensiná-las que elas podem ser completas por si mesmas.”
Essa frase me acompanha, porque aprendi que ser mulher na liderança é, muitas vezes, desagradar para existir inteira.

Num desses dias de prova, vi algo que me atravessou. Comunidades esquecidas cobertas por lixo deixado pelas equipes. Aquilo me paralisou. Ali, a sustentabilidade deixou de ser ideia e virou ação. Criamos projetos ambientais, bibliotecas móveis, ações educativas. Transformamos o Sertões num laboratório de impacto positivo. Porque liderar, pra mim, também sempre foi cuidar. Também sempre foi educar.

Sustentei minhas ideias, minha luz. Clarissa Pinkola Estés escreveu, em Mulheres que Correm com os Lobos:
“Ser forte não é exercitar os músculos, mas encontrar a nossa própria luz e sustentá-la diante das tempestades.”

Essa força silenciosa foi minha bússola entre rotas incertas, decisões de vida e paisagens de terra batida. Me chamavam de “chefona brava”. Talvez eu fosse. Mas era brava por amor ao que fazia, por lealdade ao meu time. Por acreditar com o corpo todo que uma mulher pode, sim, ocupar o centro do que movimenta o mundo.

Mas a vida também ensina. Até quem comanda expedições precisa, em algum momento, parar. Descer do veículo. Olhar com calma o próprio caminho.

Depois de anos entre barracas, mapas, reuniões e despedidas, veio um chamado mais silencioso e mais profundo. O de voltar pra casa. Voltei para o interior e para o meu interior.

Foi ali que nasceu o Moringa. Em Jundiaí, interior de São Paulo, onde a urgência virou propósito. Transformar o antigo depósito do meu pai, um ferro-velho, num espaço de arte, design e memória foi meu jeito de honrar minhas raízes e criar novos começos.

Comecei a garimpar histórias pelo Brasil e pelo mundo, buscar artesãos, resgatar materiais e dar a eles um novo sentido. Tudo o que era descartado passou a carregar beleza. O excesso virou essência. Descobri que, como na vida, tudo o que é reaproveitado com verdade carrega potência de recomeço.

O Moringa é isso, meu sonho atual, minha liderança. Um lugar que conversa com o tempo, com o planeta e com as pessoas. Que acolhe memórias, valoriza o feito à mão e desacelera o mundo. Um espaço que pulsa feminino, propósito e transformação.

Hoje, sigo entre madeiras e inspirações, e o coração nas mulheres que me rodeiam e nas que virão depois de mim. Porque ser mulher em um mundo masculino não é só resistir. É transformar.

E se é pra seguir, mesmo quando tudo parece difícil, eu sigo. Porque sei que toda coragem plantada agora vira caminho aberto pra muitas outras.