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Minha história com meus raros

Elizabeth dos Santos compartilha a história de seus filhos com a síndrome rara MPS III B

Elizabeth dos Santos* Publicado em 14/09/2022, às 06h00 - Atualizado em 12/10/2022, às 06h00

Nívea Gomes Cardoso, filha de Elizabeth - Foto: arquivo pessoal
Nívea Gomes Cardoso, filha de Elizabeth - Foto: arquivo pessoal

Me chamo Elizabeth dos Santos Gomes, sou de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul. Nasci em Cerrito, distrito de Canguça-RS, hoje município de Cerrito. Atualmente tenho 66 anos e sou mãe de três filhos, dois com a síndrome rara MPS III B (Síndrome de Sanfilippo Tipo B ou mucopolissacaridose tipo III) . Vivi 25 anos cuidando somente da minha família e vivi para meus filhos, sendo mãe e esposa em tempo integral. Foi uma luta árdua. Eu nunca tinha ouvido falar em mucopolissacaridose.

Quando se fica grávida, a gente imagina um filho nos braços, fica imaginando os traços, a alegria, o futuro... Não foi assim. Percebi que meu filho Felipe Junior tinha algumas coisinhas, detalhes, que o diferenciavam, nada assim tão perceptico, só que a mãe se atém a cada pequeno detalhe. E foi assim que comecei a procurar médicos, porque eu achava que algo não estava certo.  Comecei a preregrinação por neurologistas. 

Passei exatamente por seis neurologistas até chegar em uma médica indicada por uma psicopedagoga, que me enviou ao geneticista. O primeiro exame não diagnosticou o que era, mas quase um ano depois, ela me pediu exames específicos para MPS. E sim, o geneticista confirmou. Não entendi muito bem, porque com o choque, não pedi muita explicação. Corri para pesquisar o diagnóstico. Era o pior possível: doença rara e fatal. Isto é, meu filho iria morrer, não tinha jeito. 

Nessa data eu já era mãe de mais uma linda menina. Eu não sabia, mas minha boneca também seria diagnosticada com MPS III B. Mas eu não caí, falei para mim mesma " vamos a luta!". E fui. Foi uma grande peregrinação de vários médivos, várias internções com broncopneumonia. Meu papel, minha profissão, era ser mãe e esposa. Eu não notei, mas esqueci de mim. A doença progredia nas crianças, depois regredia. Eu ia lutando, mas a depressão pegava, não tinha jeito.  

Foram muitas internações. Aos poucos o Júnior foi deixando de se movimentar. Fralda ele nunca largou. A Nívea até para a escola conseguiu ir e participar, mas com o tempo achei melhor tirar ela da escola e não submetê-la até mesmo à agressão. 


O tempo foi passando, eles cada vez mais sendo hospitalizados. Amigos? Não! Ninguém queria saber de vir visitar quem tem filho excepcional, isso é fato! Em julho de 1998, estavam os dois hospitalizados, com broncopneumonia. Como era difícil ter forças para ser mãe... Mas eu tinha. Meu casamento desmoronava, me via só commeus filhos, doente de corpo e alma. Em 10 de junho de 1998, antes da meia noite, meu filho faleceu. Eu tinha vindo em casa descansar um poquinho. Não fiquei nem duas horas e voltei ao hospital para receber a notícia de que meu filho, Felipe Júnior, havia falecido. Meu filho descansou. Minha Nívea permaneceu no hospital por mais alguns dias e veio para casa. 

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Tive que enterrar meu filho e voltar ao hospital para cuidar da minha Nívea. Não conseguia me controlar, as lágrimas rolavam sem cessar. Era muita dor para uma mãe. Vim para casa cuidar da minha filha. Minha pobre pequena sofreu tanto que teve pneumonia atípica por ingestão de óleo mineral. Para constipação, teve que ir em uma UTI móvel para Porto Alegre. Fizeram lavagem brônquia. A pressão dela chegava a 4.2. 

Minha guerreira conseguiu superar essa pneumonia. Mas a doença é progressiva, então não tinha jeito. Em 2011 voltamos para Porto Alegre para outra UTI. Ela ficou 6 meses, vários especialisas, cardio, pneumo, geneticista, pediatra... Enfim, ia e voltava para a UTI até que fez traqueostomia e voltamos para casa, depoos de 6 meses. Eu pensei " minha filha voltou e apenas com mais um cano". Esperançosa, iludida e sofrendo pelos filhos e por ter a família desmanchada. 

Em 14 de agosto de 2011 minha Nívea amanheceu morta. O anjo a levou. Que dor, meu Deus! Mas eu tinha que reagir. Sim, eu reagi, sepultei minha filha e fui distribuir tudo que era dela para outras crianças usarem.

A vida contiuava, e eu morta em vida. Sim, eu morri, mas queria viver. Hoje estudei e sou coach de elite e mentora. Quero ajudar as mães, principalmente as de filhos com necessidades especiais, a pensarem mais em si e a praticar o amor próprio, o autoammor, o autocuidado, a conseguirem ter um futuro profissional/social/emocional, a ter uma renda extra, uma profissão. Talvez para assim ter um futuro, porque eu não tive, porque todo o tempo só pensei em ser mãe e esqueci que sou mulher, que sou gente, que sou humana.

Essa é parte da minha história com meus raros.  

*Elizabeth dos Santos Gomes é mãe e coach.

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