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A entrevista que eu nunca fiz

O jornalista Raphael Preto Pereira nos traz uma história com Jô Soares e uma certa entrevista

Raphael Preto* Publicado em 08/08/2022, às 09h35

Jô, Golias e Otello Zeloni - foto: arquivo Família Trapo
Jô, Golias e Otello Zeloni - foto: arquivo Família Trapo

É complicado explicar o que significa Jô Soares para quem é mais novo. O que é um “Global”? Pouca gente deve saber o que isso significa porque essas espécies  são cada vez mais raras.

Os “Globais” eram profissionais de vídeo ou de bastidor que trabalhavam na TV Globo e estavam presos a contratos de exclusividade muito bem amarrados, com prazos gigantescos e cláusulas que delimitavam milimetricamente que tipo de programa eles poderiam fazer e em que atrações seriam obrigados a aparecer como convidados.

Um ator "global", por exemplo, podia recusar um papel se sentisse que o personagem oferecido não estava à sua altura. Ou a emissora, a Globo, poderia protegê-lo, escalando-o apenas para papéis de “bonzinho” ou de “ malvado”.

Por que alguém se submeteria a isso? Simples: em troca de entregar toda a sua vida profissional na mão de uma empresa, a pessoa recebia um polpudo salário todo mês, estivesse trabalhando ou não.

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A primeira coisa que vale se contar sobre o Jô, é que ele recusou esse papel. Na década de 80, ele não quis renovar um contrato de exclusividade com a Globo pois a emissora  não permitiu que ele  realizasse  um programa de entrevistas inspirado no modelo americano: um comediante, um convidado e uma banda.

O Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente de operações da TV Globo entre 1967 e 1997) , não acreditava que um programa diário com esse formato tivesse chance de êxito.

O tempo mostrou que o Boni estava errado na avaliação sobre a ideia do Jô. Mas certamente é preocupante a proliferação  desse tipo de programa pelas grades de programação das emissoras. Há estações que exibem três ou quatro programas do tipo, e nenhum dos entrevistadores tem um décimo do peso do Jô Soares.  

O Jô foi para o SBT fazer o que queria. E isso sempre vai significar muito para quem trabalha com comunicação e mídia. Só por isso, já vale um registro da sua história.

Mas será que ele era um global?

A resposta é “Não”. Quando foi para a Globo pela primeira vez na década de 70, o “gordo” já era reconhecido como redator, humorista e comediante. A Globo foi atrás dele quando ainda estava se firmando na liderança nacional de audiência porque identificou nele um talento que precisava manter em seu elenco. Isso aconteceu enquanto Jô fazia a “Família Trapo”, junto com Ronald Golias Otello Zeloni, Renata Fronzi, Ricardo Corte Real e Cidinha Campos.

Exibido na Record, o programa foi um grande sucesso e quase todo seu elenco foi contratado pela Globo. E é pela “Família Trapo” que  acontece a minha história com o Jô.

Decidi que iria fazer o meu trabalho de conclusão de curso sobre o programa: um livro reportagem. Entrevistei Ricardo Corte Real. E Carlos Alberto de Nóbrega, que era redator, junto com o Jô. O Jô, além de escrever, atuava como o mordomo da casa.

Faltavam mais pessoas dos bastidores. “Personagens” que certamente rendem boas entrevistas: Manoel Carlos, que ficou famoso como autor de novelas, era um dos diretores, junto com Nilton Travesso e Antônio Augusto Amaral de Carvalho, o seu Tuta. Hoje dono da Jovem Pan.  

Pra você ter uma ideia, o sonoplasta da Família Trapo é  o coordenador-geral dos shows do Roberto Carlos, chama-se Genival Barros.

O Trabalho de Conclusão de curso foi entregue. Tirei 10. Banca fantástica coordenada pelo professor Marcos Nunes de Barros que teve como integrantes o brilhante Mauricio Stycer e o meu melhor professor da graduação, que se tornou um dos meus melhores amigos, Adalberto Leister Filho.

Por causa do prazo, muita gente ficou de fora. Eu pretendo retomar o projeto quando a pandemia permitir. Mas a ausência que vai doer mais, certamente será a do Jô. Eu tenho o telefone dele até hoje. Um grande amigo me passou o celular do Jô.

Sim, o WhatsApp, aquele mesmo que os meus colegas jornalistas da TV diziam que o Jô sempre respondia e ainda faziam questão de ressaltar o quanto ele era educado e respeitoso. Nunca tive coragem de mandar uma mensagem.

Um beijo, Jô

*Raphael Preto Pereira é jornalista e colaborador deste site