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Ninguém sente a sua dor e a sua dor não é você

O processo de luto é individual e intransferível, mas para processar o sofrimento, a sua dor, é fundamental viver a tristeza e sair do papel de vítima

Maria Cunha* Publicado em 01/02/2024, às 06h00

O tempo é um grande aliado na cura da dor - Freepik
O tempo é um grande aliado na cura da dor - Freepik

No dia 5 de dezembro, minha prima Flávia perdeu seu filho, o pequeno Luigi, de sete meses, que nasceu com síndrome de Down e faleceu devido a uma infecção. No dia 8 de dezembro, meu primeiro amigo, vizinho do prédio onde cresci, morreu em decorrência da terceira causa de morte entre jovens brasileiros: o suicídio. No dia 18 de janeiro, a irmã de Flávia, minha prima Renata, não resistiu à batalha que travava contra o câncer havia seis anos. Hoje, dia 1º de fevereiro, Zinha, que trabalhou para três gerações de minha família, faleceu após um infarto. O Dia da Saudade foi celebrado na última terça-feira (30) e eu não poderia deixar de lembrar destas quatro pessoas queridas.

A partida de quem se ama, no entanto, vai muito além da saudade de momentos e memórias vividas. A morte gera dor, um sentimento individual e intransferível, segundo Heloísa Capelas, especialista em autoconhecimento e inteligência emocional. A partir disso, a profissional constata que a popular frase "Eu sei o que você está sentindo" não é verdade. 

"Dependendo do nosso nível de relacionamento e de afeto pela pessoa que está vivendo a dor, a gente chega muito perto, mas nunca será a dor daquela pessoa”, explica Capelas. “A gente pode ficar muito triste, ter empatia e compreender por ter vivido situações parecidas, mas é sempre do nosso ponto de vista.”

A dor de perder um filho

Entretanto, ainda que não mensuradas, algumas dores foram pesquisadas como forma de comportamento. A maior delas e a mais cruel é a perda de um filho. Assim, em momentos de tanta desestabilização emocional, é comum que as demais pessoas enlutadas coloquem a sua dor de lado por um momento e confortem aqueles pais — como eu mesma fiz. 

Para Capelas, uma situação como essa não é inédita. Hoje CEO do Centro Hoffman e à frente do Processo Hoffman no Brasil — um treinamento de autoconhecimento aplicado em 16 países com resultados atestados pela Universidade Harvard — ela conta da perda de duas pessoas queridas nos últimos anos.

“Há cinco anos, uma sobrinha que era como uma filha para mim morreu aos 40 anos. Eu tinha a impressão de que a Terra tinha mudado de eixo. Era tudo tão absurdo, porque é uma filha morrendo, não é um pai morrendo”, conta. “Eu tinha muita compaixão pela dor da minha irmã, ainda tenho, eu vivi essa dor e não foi nem um filho.”

Pouco menos de três meses atrás, a especialista também perdeu a mãe, uma dor que, segundo ela, foi completamente distinta da experimentada com o falecimento da sobrinha. Diferente da neta, a mãe de Capelas era idosa e havia vivido bastante, portanto a sua morte seguiu a ordem natural da vida: morrem os pais e depois os filhos. 

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De qualquer forma, não importa a fase da vida, a dor de perder alguém querido sempre vai existir. No entanto, para que ela seja diminuída, é necessário respeitar o processo de luto. A CEO do Centro Hoffman explica que um dos principais erros cometidos nesse percurso é que muitas pessoas não se permitem superar esse sentimento, pois acreditam que isso é sinônimo de esquecer que ele existe ou existiu. "A gente confunde amor com apego: o amor liberta, o apego prende. Isso não é amor." 

Segundo Capelas, uma mãe que não quer se desfazer dos pertences do filho que faleceu, por exemplo, pode ter a sensação de que, caso faça isso, está abandonando esse filho e, na realidade, só está se desfazendo daquilo que não precisa mais. 

"É preciso manter o filho no coração, mas libertá-lo. Eu costumo dizer que a maior demonstração de amor é quando a gente autoriza as pessoas a morrerem, porque morrer faz parte da vida. Quando eu amo, eu autorizo que a pessoa viva a vida dela, do jeito que ela tem que viver e morrer faz parte da vida."

Em momentos assim, o tempo se mostra, mais uma vez, um grande aliado, visto que é essencial dar espaço para entender onde a dor está alocada e conseguir curá-la. Com isso em mente, a especialista pontua que todo sofrimento precisa, antes de qualquer coisa, ser acolhido, pois quando não olhamos para a dor, ela é amassada dentro de nós.

"O luto precisa ser vivido e isso não é vitimismo, é tristeza. O luto tem um tempo, ele dura mais ou menos de três meses a um ano, dependendo da dor", explica Capelas. "É como se a gente metabolizasse essa perda. Com o tempo, você vai demorando mais para entrar nessa dor e ela vai ficando cada vez mais rasa, cada vez mais metabolizada." 

O que passar de um ano, porém, precisa ser analisado, já que pode virar uma doença, um luto patológico. De acordo com a CEO do Centro Hoffman, é de extrema importância não assumir um papel de vítima durante esse processo, porque a morte é uma contingência da vida à qual estamos sujeitos e assim como passam os momentos de felicidade, também passam os de dor.

“Todo acontecimento ruim traz com ele algum ensinamento e, a partir disso, nosso papel é buscar saídas para seguir, alternativas para nos reorganizarmos da melhor forma possível e seguir adiante. Temos que ser protagonistas da nossa vida e da nossa história, a circunstância da dor não pode reduzir toda a nossa vida a este episódio”, finaliza Capelas. 

Assim, é fundamental ter autoconhecimento e entender que os acontecimentos estão fora do nosso controle. Entretanto, está em nossas mãos como viver aquilo que acontece conosco. Cada um tem o seu processo de luto, que não pode ser apressado ou evitado. Aceite a sua dor, se acolha e entenda que você precisa de tempo. Você vai dar conta. Nós vamos. 

*Maria Cunha é jornalista e autora do livro "Gestação do Coração - 5 histórias de adoção". 

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