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» RACISMO NO ESPORTE

Como o racismo impacta na saúde mental de atletas

Aproximadamente 41,8% dos jogadores de futebol ou trabalhadores negros do futebol do Brasil já foram vítimas de racismo

Amanda Ciaramicoli* Publicado em 26/09/2023, às 06h00

É preciso ter entidades esportivas antirracistas
É preciso ter entidades esportivas antirracistas

Nos últimos dias, foi divulgada uma pesquisa realizada entre julho e agosto de 2023, com apoio da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da empresa esportiva Nike sobre o preconceito no maior e mais popular esporte do país. Os números apresentados foram assustadores, aproximadamente 41,8% dos jogadores de futebol ou trabalhadores negros do futebol do Brasil disseram ter sido vítimas de racismo durante o exercício de sua atividade relacionada.

Em 21/05, deste ano, torcedores do Valencia chamaram o jogador brasileiro do Real Madrid, Vinicius Junior, de macaco desde a chegada do ônibus ao estádio continuando os insultos e durante o jogo. No segundo tempo, o brasileiro apontou dois torcedores que estavam imitando sons do animal e cometendo racismo contra ele.

O Brasil é um país multicultural, que apresenta uma população que possui várias contribuições étnicas o que torna dificílimo estabelecer rótulos para a participação de atletas negros no esporte. Um país que, segundo dados recentes do IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que 56% da população brasileira é negra.

Segundo os resultados de uma consulta realizada pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol considerando os insultos, “piadas” ou “ataques”, o que se percebe é que estes ocorrem majoritariamente nos estádios (53,9%), nas redes sociais (31,4%), nas sedes ou centros de treinamento dos equipamentos (11,4%) e, em menor medida, nos hotéis (3,3%). O problema também apareceu também dentro das populações indígenas, que afirmaram que 31,6% sofreram algum tipo de racismo, enquanto 52% dos participantes da pesquisa afirmaram ter visto algum caso.

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Em agosto passado, o governo federal propôs uma série de ações, entre elas estão, a criação de selo e de prêmio para entidades esportivas antirracistas, a oferta de assistência psicológica para atletas negros e parcerias educativas entre torcidas organizadas e coletivos. Na vanguarda da luta contra o racismo brasileiro temos o Observatório da Discriminação Racial no Futebol idealizado com o objetivo de monitorar, acompanhar e noticiar os casos de racismo no futebol brasileiro, assim como divulgar e desenvolver ações informativas e educacionais que visem erradicar essa praga que tanto macula a sociedade nacional.

Essas atitudes são importantes e devem fazer parte de uma nova rotina de trabalho em todas áreas do esporte. Iniciando os trabalhos nas categorias de base. Todavia, o que o racismo provoca na psique dos atletas negros no início de carreira? Como especialista no tema, acredito que uma das primeiras consequências visíveis é o medo. O medo de perder medo de perder o espaço dentro da equipe, da bronca e da comparação com outros atletas não negros.

O medo é uma característica biológica que faz parte, então, da nossa biologia. E por que que existe o medo? O medo é uma reação de defesa, na verdade, todo o nosso corpo e o cérebro trabalham com o objetivo de sobrevida. Então, o que acontece? No cérebro para que você se mantenha vivo e o cérebro é muito sensível a algumas coisas e ele armazena com muito mais facilidade coisas que, por exemplo, nos expõe a risco. Então tudo aquilo que agride ou que ele entenda que seja um risco à sobrevivência, ele vai trazer aquilo à memória, sendo assim, prejudicando o rendimento dos atletas mirins.

Outro ponto que se deve ser levado em consideração é o estresse elevado, tanto para os em início da carreira (categorias de base) como para os profissionais. O estresse é gerado pela falta da gestão emocional e essa ausência pode impactar, sim, nas competências cognitivas dos atletas e, em consequência, interferir a performance diretamente. Então, sim, momentos de estresse prolongados e mal gerenciados causam inconsequências cognitivas para os atletas, como, por exemplo, falta de atenção, falta de concentração, dificuldades para reação, prejudica a tomada de decisão, altera o humor, tudo isso causado por alteração e falta de gestão emocional.

O que acontece? Quando a gente está com estresse, muito estressado, passando por um período muito difícil, como no caso de uma violência racial e está é mal gerenciada, o organismo liberar cortisol. Pelas glândulas suprarrenais, e quando esse cortisol chega no cérebro, ele diminui a permanência da serotonina nas fendas sinápticas.

Isso é significativo, e apenas para termos uma ideia, por exemplo, remédios antidepressivos, atuam diretamente nessa permanência da serotonina entre as fendas sinápticas. Apenas para termos uma ideia do quão importante é termos serotonina neste local.

O ponto que infelizmente chego é que o racismo leva pessoas saudáveis e habilidosas em suas funções dentro do esporte a apresentarem um quadro depressivo e algumas vezes conduzem a casos de tentativas e até suicídio dentro do esporte.

Dados do Ministério da Saúde, do ano passado, apresentam índices preocupantes de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil. O número de suicídios é 45% maior entre jovens negros do que entre brancos. Além disso a pesquisa mostrou ainda que o risco aumentou 12% entre a população negra, nos últimos anos e permaneceu estável entre brancos.

Nesse recorte, a faixa etária de 10 a 29 anos é a que mais sofre, principalmente os do sexo masculino, que têm chance 50% maior de tirar a vida do que entre brancos da mesma idade. Os números são alarmantes. Ainda vivemos sob o estigma em torno do suicídio que aliado a elementos estruturantes como o racismo estão relacionados e contribuem para o silenciamento em torno da questão, além das dificuldades de se falar abertamente sobre o assunto.

Além disso, por muitas vezes as queixas raciais são subestimadas ou individualizadas, tratadas como algo pontual, de pouca importância e ainda culpabilizando aquele que sofre o preconceito. Aproveitemos este setembro amarelo e vamos jogar ainda mais luz no combate ao racismo associado aos cuidados com a sua saúde mental, está por muitas vezes negligenciada por quem deveria cuidar desses atletas. Não podemos aceitar ou validar comportamentos que prejudiquem a capacidade cognitivas dos nossos atletas em suas competições. O esporte deve ser lugar de bem estar e acolhida não de preconceitos.

*Amanda Ciaramicoli é psicanalista esportiva