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Por que alguém insiste em ser professora?

Reflexões sobre a escolha de ser professora e o impacto da educação na vida de muitos

Irene Reis* Publicado em 19/06/2025, às 06h00

A professora Irene Reis - Divulgação
A professora Irene Reis - Divulgação

A pergunta que mais me fazem é: por que você decidiu se tornar professora? E por que se mantém na educação? Das muitas formações que você fez, das muitas coisas que poderia fazer, profissionalmente, por que insistir em educar?

Eu me tornei professora porque estou viva graças a uma professora. E, graças a tantas outras, cheguei até aqui. Se eu puder fazer por alguém metade do que fizeram por mim, entendo que serei bem-sucedida em meu intento.

A escola foi a minha chance de segunda família, por isso, fico profundamente indignada quando ouço algum professor dizendo: "Mas e a família?"

Essa pergunta, muitas vezes, autoriza a escola a ser negligente, quando, na verdade, ela poderia, e deveria, ser a segunda e última chance de uma criança ter o que nunca teve: uma família.

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Eu me tornei professora e formadora de professores para tentar fazer ver que, aí na sua sala de aula, emparedada, enfileirada, está aquela menina lá no fundão que ainda não sabe nada sobre as suas neurodivergências e parece que há três dela na sala, de tanto espaço que ela ocupa. Está também aquela outra, no cantinho, fazendo as tarefas de todos os amigos para tentar ser aceita por eles, porque ela entendeu que amor é sobre ser útil.

Está também aquela lá da frente que está sofrendo, há muito tempo, uma tremenda violência psicológica, escutando gritos, insultos de todos os tipos. 

Sabe essa, que está aí, bem no meio da sala? Ouvi dizer que ela passa por todo tipo de privação: comida, sono, afeto…

A outra, à direita, é a que ainda se pergunta por que o pai não vem visitá-la, não paga pensão, não sabe nada sobre ela. Ela acha que fez algo de errado, que deveria ter feito algo para que ele a amasse e quisesse ser pai dela.

E aquela ali, na terceira carteira, é a que vai descobrir, daqui a pouco, que está sendo estuprada dentro da própria casa.

Viu cada uma dessas meninas aí na sala? Todas elas sou eu. Uma professora me viu! Viu que meu comportamento mudou. Percebeu que eu estava distante, pouco participativa.

Ela fez as perguntas certas e, quando obteve respostas inesperadas, ela me orientou, com amorosidade, escuta, cuidado. Explicou que aquele homem em quem eu confiava tanto e chamava de pai estava, o meu padrasto, na verdade, estava me estuprando. 

Ela me guiou de maneira assertiva para que eu me livrasse do meu algoz e tomasse coragem de sair de casa — mesmo que fosse para viver com a pessoa mais distante da minha vida: meu pai biológico. E eu o fiz.

Vivi com ele dos 12 aos 15. De favor, com outros familiares, emancipada aos 16 e, logo depois, fui viver por minha conta.

E a família? Que família?

Se eu não tivesse sido salva uma e outra vez pelas minhas escolas, não estaria aqui contando essa história.

A escola, mais do que oferecer conteúdos, preparar para provas, precisa oferecer ferramentas de desenvolvimento humano.

Todo professor, mais do que dominar profundamente sua disciplina, precisa entender que ela é apenas um pretexto para promover uma ação humanizadora em corações que precisam ser curados.

Isso me tornou educadora. E é por isso que eu insisto. Meu sonho é conseguir que a gente seja mais gente. Meu sonho é fazer com que toda escola e cada educador se reinvente, acolhendo as diferentes infâncias e juventudes, e não aquela idealizada, enquanto tínhamos bonecas e ursinhos de pelúcia como alunos.

A gente precisa ser mais colo. Mais escuta. Mais cuidado. Mais abraço. Mais presença. Mais afeto.

O IBGE já nos mostrou que há católicos não praticantes. E, embora eu nunca tenha entendido muito bem o que isso significa, criei o conceito de "humanos não praticantes", gente que tendo cara e corpo de gente, de fato, gente não é.

Então, a minha vida é sobre tentar formar humanos praticantes. Convidar mais gente a ser gente, colo, acolhimento. Mais amor e menos julgamento é do que carece o mundo. 

Educação escolar e educação corporativa precisam ser sobre ter a coragem e o compromisso de formar mais agentes de uma comunidade amorosa, em vez de indivíduos competitivos e agressivos.

O planeta precisa urgentemente de gente que cuide de si, dos outros e da nossa casa comum. É por isso que eu insisto em ser educadora: para conduzir, de dentro para fora, todos os talentos e o que há de melhor em cada pessoa que cruza meu caminho. 

Coleciono muitos fracassos, mas, cada sucesso, cada pessoa que consegue entender um pouco sobre isso, é um universo inteiro que se abre e se expande. Espero que mais gente ouse ser professor e dedico a minha vida a que todos os professores sejamos mais valorizados e cuidados para que possamos melhor cuidar.

Irene Reis - Divulgação
Irene Reis - Divulgação

*Irene Reis é pesquisadora, professora e palestrante com experiência da Educação Básica ao Ensino Superior. É especialista em Neurociência e Comportamento, Inteligência Emocional e Saúde Mental pela PUC, com MBA em Gestão Escolar pela USP, mestrado em Ciências da Educação e atualmente é doutoranda em Saúde Mental no Desenvolvimento Profissional. CEO do Grupo Reinventando a Educação e ativista da Educação para a Cultura do Cuidado.