Especialista explica estratégias para a inclusão de crianças migrantes nas escolas
Sebastião Rinaldi* Publicado em 20/03/2024, às 06h00
Mundialmente, ao menos 114 milhões de pessoas se encontram em condição de refúgio, de acordo com dados do ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) da ONU (Organização das Nações Unidas). Ou seja, é o equivalente a quase metade da população do Brasil em deslocamento forçado por motivos como guerra, perseguição política ou étnica. São pessoas como nós, um parente ou amigo próximo, entretanto, sem a possibilidade de regressarem para suas casas no fim do dia, tomarem um banho e jantarem com seus familiares. Muitos deles, inclusive, sequer têm contato com os seus entes queridos.
Segundo dados da Polícia Federal, na cidade de São Paulo vivem cerca de 293 mil migrantes internacionais. Sabe-se que há diversas nacionalidades em constante diáspora rumo ao Brasil, como bolivianos, haitianos, peruanos, venezuelanos e sírios. Recentemente, houve um ingresso ainda maior de afegãos, devido ao colapso político deste país do Oriente Médio com a sua tomada pelo Talibã. O Brasil é formado dessa diversidade: africanos ex-escravizados, japoneses, italianos, libaneses, espanhóis, ucranianos, armênios, poloneses, para além das nacionalidades citadas previamente.
Recentemente, o noticiário trouxe que a guerra entre Rússia e Ucrânia chegava ao segundo ano. À época que esse conflito se iniciou, confesso que olhei com ceticismo a possibilidade de um embate dessa natureza, logo após uma pandemia global que dizimou milhões de indivíduos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde – OMS. Ledo engano. A guerra não apenas começou, como não acabou.
A célebre frase de John Lennon que adverte “War is over if you want it” continua atual e, a despeito de sua delicadeza, parece não tocar os corações de quem detém o poder. Assisti a uma reportagem da Globonews sobre a pauta de “2 anos da guerra na Ucrânia”, a respeito da educação de crianças ucranianas neste contexto e os seus respectivos desafios. Em uma aula, elas aprendiam a fazer velas caseiras para lidar com os apagões de luz decorrentes das explosões e ataques. É esse tipo de memória que queremos criar nesses pequenos e pequenas? Se for, lamento dizer que a humanidade pode ter falhado em sua missão de promover humanidade.
Lidar com situações adversas, que fujam da nossa realidade, não costuma ser fácil. Quando falamos dos menores em situação de vulnerabilidade, a sensibilidade é ainda mais tocante. Uma forma de entender e buscar soluções pode ser por meio de instituições ou profissionais capacitados em uma especificidade. A ONG I Know My Rights - IKMR, com sede em São Paulo, existe desde 2012 em defesa de crianças em situação de refúgio no Brasil, contando com um apoio formal do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
Recentemente, em uma conversa minha com a pesquisadora em Português como Língua de Acolhimento (PLAC), Renata Rodrigues, quem foi voluntária no IKMR, ela me salientou que há muitos desafios no ensino do português brasileiros para essa comunidade de crianças em situação de refúgio ou migração. De acordo com ela, os maiores gargalos nessa área são em relação à ausência de materiais didáticos. Por mais que tenhamos visto um aumento de pesquisa e de produção científica nesse sentido, ainda sabemos que existe essa lacuna. Há pouquíssimos conteúdos que tratem de alfabetização para crianças e adolescentes.
Para além do ensino por si só, é crucial pensar em estratégias para tornar o ensino do PLAC convidativo e não excludente. De acordo com Rodrigues: “é importante deixar os alunos muito à vontade e com uma postura de diálogo aberto. São pequenos seres humanos, precisamos conversar e mostrar que todos nós temos as nossas diferenças, as nossas culturas. Com as crianças, as artes costumam ser uma boa forma de trabalhar a diversidade – elas podem contar um pouco de si e se reconhecer nessas diferenças. Brincadeiras, jogos e música costumam funcionar também. Acho relevante destacar que não se deve evidenciar uma cultura apenas, tendo um olhar carinhoso e paciente”.
Para a educadora, que foi coordenadora pedagógica do Instituto Adus - onde atuo como voluntário há sete anos -, as produções artísticas, como desenhos, pinturas e trabalhos mais manuais, são benéficas para as crianças lidarem positivamente com seus sentimentos, que em muitos casos ainda não conseguem nomear ou entender, tudo isso de uma maneira lúdica e significativa, “diferente do que o Paulo Freire chamava de educação bancária”, nas palavras da docente. Nuances e cuidados adicionais devem fazer parte do cotidiano de educadores e atuantes do terceiro setor. Há sempre camadas de subjetividades que precisam ser levadas em consideração para que, de fato, as populações vulneráveis se sintam efetivamente acolhidas.
*Sebastião Rinaldi, jornalista, professor de PLAC no Instituto Adus e mestrando em sociologia da educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo