Dados da Anvisa mostram que mais de 21 mil ciclos de congelamento foram realizados entre 2020 e 2021, refletindo uma mudança nas prioridades para mulheres
Dra. Paula Marin* Publicado em 23/05/2025, às 06h00
O congelamento de óvulos é a técnica mais amplamente utilizada hoje para a preservação da fertilidade da mulher. No Brasil, dados recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o procedimentodemonstram uma demanda crescente de mulheres que desejam adiar a gestação. Entre 2020 e 2021, foram realizados mais de 21 mil ciclos, com 154.630 óvulos congelados.
O tratamento apresenta-se como a opção para as mulheres que desejam adiar a maternidade por razões sociais ou médicas. Com a experiência que tenho na área de preservação da fertilidade, o congelamento de óvulos pode ocorrer por vontade da mulher, ou seja, de maneira eletiva, ou por indicação médica, em casos de urgência.
Nos casos de pacientes com câncer, por exemplo, que vão ser submetidas à quimioterapia e à radioterapia, tratamentos que depletam de forma abrupta a reserva ovariana, temos o exemplo de preservação da fertilidade por indicação médica e de urgência.
Essas pacientes são encaminhadas ao especialista em Reprodução Humana Assistida pelo oncologista ou pelo mastologista para que o tratamento de preservação de fertilidade possa ser realizado e, depois de um ciclo rápido, o tratamento oncológico possa ser iniciado, sem prejuízos para a saúde da paciente.
Outro exemplo de preservação de fertilidade por indicação médica são os casos de pacientes que vão fazer cirurgia para endometriose, com endometriomas, visto que essas pacientes têm risco de retirada de parte do tecido ovariano, bem como pacientes que têm o histórico de menopausa precoce em família. Tanto a endometriose quanto o antecedente de menopausa precoce na família são razões médicas para se avaliar a reserva ovariana e pensarmos em congelamento de óvulos.
Mas não foram as indicações médicas ou de urgência que fizeram com que o congelamento de óvulos ficasse debaixo de holofotes. É o congelamento de óvulos eletivo, planejado ou social, que acontece a pedido da mulher, que escolhe postergar a maternidade por questões pessoais/sociais, que vem se expandindo e ganhando seu espaço na sociedade moderna.
Esse tratamento médico começou a ganhar atenção nos últimos 5-10 anos, quando a técnica do congelamento de óvulos sofreu uma grande melhoria e a técnica começou a oferecer cada vez melhores resultados. E esse crescimento foi ainda mais expressivo depois da pandemia do Covid-19.
Durante a pandemia, as clínicas de fertilidade americanas observaram um grande interesse pelo tema congelamento de óvulos. Alguns dados sugerem que nos EUA, o procedimento aumentou 39% em relação aos níveis pré-pandemia. No Reino Unido, o procedimento aumentou até 50%, no verão de 2020, em comparação com o ano anterior.
Ao longo dos anos, o congelamento de óvulos foi ganhando cada vez mais espaço e se mostrou uma opção para “contornar o problema” do relógio biológico feminino, pois, os óvulos congelados, hoje, podem ser usados para que a mulher engravide, no futuro, e eles terão a qualidade da idade do congelamento.
A busca pelo procedimento está atrelada às mudanças sociais que vivenciamos nas últimas décadas. A sociedade mudou. A mulher, que antes ficava dentro de casa, se revezando nos papéis de esposa, dona-de-casa e mãe, agora assumiu outras funções e tem novas ambições. Ela abriu espaço no mercado de trabalho e conquistou seu espaço. Ela priorizou carreira, independência financeira, objetivos próprios. Ela não busca mais qualquer parceiro, ela almeja, agora, o ‘parceiro ideal’ para formar sua família. Ela quer curtir sua liberdade, aproveitar a vida, viajar. Ela muitas vezes nem sabe se um dia vai querer ser mãe.
Nesse contexto de conquistas, o avanço da educação sexual e da contracepção foram fundamentais. Evitar a gravidez e postergar a maternidade têm se tornado o caminho natural para a mulher que deseja ser independente, dedicar-se à carreira ou aos seus interesses próprios. Hoje, enfim, podemos afirmar que a maternidade é uma escolha da mulher. Entretanto, é de extrema importância que essa mulher saiba que adiar a maternidade acarreta consequências reprodutivas. Toda mulher precisa receber informações sobre a biologia feminina, sua reserva ovariana, seu relógio biológico e, pautando-se nesse conhecimento, na sua situação atual de vida e nas perspectivas para o futuro, fazer escolhas sobre a maternidade. E isso é planejamento reprodutivo.
A fertilidade declina com a idade. Sim! É muito importante que toda mulher saiba. E ela deve estar ciente disso ao optar por postergar a maternidade. “Ela precisa ser orientada sobre o funcionamento do seu organismo. Deve estar ciente de que ela nasceu com um relógio biológico em contagem regressiva, que sua reserva ovariana vai decaindo quantitativa e qualitativamente, que as chances de gravidez vão sendo menores com o passar dos anos, principalmente após os 35 anos. A mulher precisa saber que ela pode precisar de ajuda médica para engravidar e que as técnicas de reprodução assistida não são capazes de resolver todos os casos de infertilidade.
É nesse momento de diálogo com o ginecologista sobre o planejamento reprodutivo e o adiamento da gravidez que o congelamento de óvulos entra em cena. "O congelamento de óvulos surge como uma alternativa para a mulher moderna ‘fazer parar o relógio biológico’. A ideia é coletar alguns de óvulos hoje, congelá-los e armazená-los para que você possa usá-los para engravidar no futuro.
*Dra. Paula Marin é formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital das Clínicas da USP. Sócia da Clínica Mater Prime em São Paulo, clínica de Reprodução Humana onde atende hoje. Dedica-se exclusivamente à área de Reprodução Humana, com foco principal no congelamento de óvulos.