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O Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres

Uma reflexão sobre a violência contra as mulheres neste dia 06 de dezembro

Flávio dos Santos Barbosa* Publicado em 06/12/2023, às 06h00

O combate à violência contra a mulher precisa da mobilização dos homens
O combate à violência contra a mulher precisa da mobilização dos homens

Infelizmente, muitas datas comemorativas, quando referidas à igualdade de gênero ou ao enfrentamento à violência contra mulher, têm sua origem em tragédias e são carregadas de muita violência. Muitas mulheres no passado e no presente sofreram e sofrem para que algum tipo de lei ou decreto seja instituído resguardando suas dignidades e vidas.

Não foi diferente neste caso, no dia 06 de dezembro de 1989, um jovem rapaz chamado de Marc Lépine, de apenas 25 anos, inconformado por não conseguir sucesso na sua vida acadêmica e laboral, culpando as mulheres por ocupar “seu espaço de direito”, comprou um rifle semiautomático e invadiu a Escola Politécnica, na cidade de Montreal, Canadá, e assassinou 14 mulheres. Antes teria retirado os homens da sala e relatado que sua “luta era contra o feminismo”, depois retirou sua própria vida.

Esta tragédia deu início a uma campanha de vários homens do Canadá, a Campanha do Laço Branco, a White Ribbon Campaign, com o objetivo de atrair homens pelo fim da violência contra a mulher. A campanha repercutiu pelo Mundo afora e muitos países aderiram, inclusive o Brasil.

No Brasil, a campanha tomou força e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva cria a Lei nº 11.489, de 20/06/2007, que instituiu o dia 06 de dezembro como o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres.

Toda essa violência de gênero é fruto do machismo herdado pelo patriarcado durante várias e várias gerações. Segundo Gerda Lerner, a palavra “feminismo” é um palavrão na “boca” do patriarcado.

A violência contra mulher é historicamente evidenciada num contexto de uma sociedade patriarcal, onde o poder de vida e morte sobre sua família (esposa e filhos) era do patriarca. Hoje, apesar da evolução das leis e de uma sociedade que seja mais justa, democrática e igualitária possível, este poder sobre a vida e morte parece ainda ser presente nas sociedades, pois homens continuam agindo de forma cruel com suas parceiras, perpetrando todo o tipo de violência: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, e em muitos casos chegando ao resultado final dessa violência que é o feminicídio. Diante disso, a sociedade presencia hoje casos de perplexidade dada a extrema violência com que o homem, de forma brutal, mata as mulheres, esquartejando-as, degolando-as, incendiando-as, esganando-as, atirando-as (normalmente no rosto), e quando não consuma o propósito, deixa as mulheres mutiladas, tetraplégicas, queimadas etc., impossibilitando-as de exercer uma atividade econômica e de sustento para sua família. 

Infelizmente os homens agressores encontram em muitas sociedades um sistema jurídico que vai favorecê-los, fruto desta herança patriarcal deixada ao longo da evolução da sociedade. Heleieth Saffioti faz uma abordagem bastante pertinente sobre esta consideração:

"O julgamento destes criminosos sofre, é óbvio, a influência do sexismo reinante na sociedade, que determina o levantamento de falsas acusações – devassa é a mais comum – contra a assassinada. A vítima é transformada rapidamente em ré, procedimento este que consegue, muitas vezes, absolver o verdadeiro réu. Durante longo período, usavase, com êxito, o argumento da legítima defesa da honra, como se esta não fosse algo pessoal e, desta forma, pudesse ser manchada por outrem... O cumprimento da pena constitui assunto de pior implementação. O bom comportamento na prisão pode reduzir o cumprimento da pena a um terço, até a um sexto do estabelecido, o que não é admissível para quem deseja ver esta prática extirpada da sociedade ou, pelo menos, drasticamente reduzida."

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A luta por uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária deve ser premissa de todos que querem construir um mundo melhor para a humanidade, que não seja exclusivo para homens nem pra mulheres, mas um mundo onde a igualdade de gênero seja uma realidade.

Toda e qualquer reflexão sobre o papel do homem no enfrentamento à violência contra mulher será necessário adquirir três fundamentos essenciais para ter sucesso neste propósito: conhecimento sobre o tema; comprometimento neste enfrentamento e participação ativa que gere mudança em si e no outro.

Ter o conhecimento sobre determinado tema é um princípio basilar para que se possa adquirir condições de se libertar da ignorância e dos “achismos”, desenvolvendo assim, o raciocínio e o senso crítico, para que a pessoa não seja manipulada e dominada.

É neste sentido que visitamos os estudos de Paulo Freire para exemplificar a importância do conhecimento como forma de libertação para transformação, e é através dessa práxis que o homem poderá se livrar da opressão historicamente imposta pelo patriarcado. De geração em geração é desenvolvida a ideia de dominação-exploração que os homens impõem sobre as mulheres. Reconhecer esta dicotomia de oprimido pela sociedade patriarcal e opressor das mulheres é um primeiro passo para libertação deste sistema desigual e violento. Ao fazer uma analogia com o que preconiza Paulo Freire no seu livro Pedagogia do Oprimido, pode-se dizer que o homem, ao se libertar da contradição opressores-oprimidos, renasce e se inicia então, a superação da desigualdade de gênero, contribuindo para o enfrentamento à violência contra mulher.

Todo o debate sobre patriarcado e dominação masculina é historicamente iniciado a partir de conceitos tradicionalistas, tanto na ótica religiosa quanto na ótica científica, que atribui a submissão da mulher a algo universal, dado por Deus ou naturalmente estabelecido por suas funções biológicas diferentes entre homens e mulheres. Por isso a renomada historiadora Gerda Lerner nos provoca a interpelar três perguntas: “como, quando e porque a submissão feminina passou a existir?”, assim sendo:

"Tradicionalistas aceitam o fenômeno da “assimetria sexual”, a atribuição de diferentes tarefas e papéis para homens e mulheres, algo observado em todas as sociedades humanas conhecidas, sendo prova desse ponto de vista e evidência de seu caráter “natural”.

... Se Deus ou a natureza criaram diferenças entre os sexos, que, em consequência, determinaram a divisão sexual do trabalho, ninguém pode ser culpado pela desigualdade sexual e pela dominação masculina.

A explicação tradicionalista concentra-se na capacidade reprodutiva feminina e vê a maternidade como a maior meta da vida das mulheres, definindo assim, como desviantes mulheres que não se tornam mães. Considera-se a função materna uma necessidade da espécie, uma vez que as sociedades não teriam conseguido chegar à modernidade sem que a maioria das mulheres dedicasse quase toda a vida adulta a ter e criar filhos.

... O homem caçador, superior em força, habilidade e com experiência oriunda do uso de ferramentas e armas, “naturalmente” vai proteger e defender a mulher, mais vulnerável, cujo aparato biológico a destina à maternidade e aos cuidados com o outro. Por fim, essa explicação determinista do ponto de vista biológico estende-se da Idade da Pedra até o presente pela afirmação de que a divisão sexual do trabalho com base na “superioridade” natural do homem é um fato, e, portanto, continua tão válida hoje quanto era nos primórdios da sociedade humana."

Portanto se, verdadeiramente, queremos uma sociedade mais igualitária, onde homens e mulheres tenham os mesmos direitos e oportunidades, precisamos revolucionar o masculino, como bem destaca Ivan Jablonka, “homens igualitários, hostis ao patriarcado, que valorizem o respeito mais que o poder. Apenas homens, mas homens justos.” E mais ainda, esse masculino não pode mais subjugar as mulheres, temos que por um fim ao sistema patriarcal.