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Abuso sexual infantil: temos que falar sobre isso

Promotora Erika Pucci lança livro sobre abuso sexual infantil e fala sobre o tema neste artigo

Érika Pucci da Costa Leal* Publicado em 11/05/2023, às 06h00

Capa do livro "Abuso Sexual Infantil: Proteção Jurídica e Rede de Atendimento às Vítimas - Natureza e Análise de Casos" - Foto: Divulgação
Capa do livro "Abuso Sexual Infantil: Proteção Jurídica e Rede de Atendimento às Vítimas - Natureza e Análise de Casos" - Foto: Divulgação

Os sérios agravos que todas as modalidades de abuso infantil causam na saúde física, sexual, mental e comportamental das vítimas, bem como os graves reflexos em sua vivência social, demandam que se estabeleçam políticas públicas adequadas e eficientes para o enfrentamento do problema, com especial foco na incorporação de mecanismos que coíbam dinâmicas familiares abusivas. Isso porque, não obstante devesse a família atuar como um referencial de aconchego, proteção, segurança e afetividade, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento sadio de seus membros, a realidade que cruelmente há muito se descortinou é que o tipo mais frequente de violência contra a criança é a violência intrafamiliar.

Esse mesmo cenário se desenha em relação ao abuso sexual, que, na maioria dos casos, ocorre em ambiente intrafamiliar ou envolve relações de confiança e proximidade. Além disso, em regra, não é praticado mediante o emprego de violência física e, por conseguinte, não deixa lesões físicas perceptíveis. Uma série de fatores possibilita que esses abusos se protraiam no tempo, com graves consequências na saúde das vítimas, a exemplo das que incidem sobre a saúde sexual e reprodutiva.

Assim, em regra, o abuso sexual infantil se apresenta na forma crônica e tem na figura do agressor um membro da família ou próximo dela. O caráter indevassável que se pretende dar às relações familiares sustenta uma trama que pode ser identificada como um verdadeiro complô de silêncio, o que, aliado a tabus culturais e a relação de poder nos lares, dificultam o conhecimento da sua real dimensão.

Assim, além da necessidade de se concentrarem esforços para que a violência sexual seja mais denunciada e pesquisada, a coleta de dados para fins de elaboração de políticas públicas não deve se pautar apenas na violência denunciada. Grande parte dessa violência é previsível e pode ser prevenida mediante a implementação de políticas e programas que analisem suas causas e os fatores de risco para sua ocorrência.

O trabalho foi motivado em parte pelo fato de que, ao longo de 17 anos atuando como promotora de justiça e com um olhar atento sobre o tema, pude observar as dificuldades que imperam quando se trata de levar os casos de abuso sexual infantil ao conhecimento das autoridades, bem como a falta de interlocução entre essas autoridades quando acionadas. Foi motivado também pelo fato de que, no contato diário com vítimas e familiares, observaram-se queixas quanto ao atendimento, assim como identificaram-se famílias que pareceram não dimensionar a real necessidade do tratamento de saúde.

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O livro expõe a influência que a visão social acerca da criança e do adolescente exerce sobre o arcabouço de proteção, com abordagem da evolução dos direitos; traz números, conceitos, formas e classificações da violência, bem como os aspectos relacionados à violência intrafamiliar. Ainda, são abordadas as consequências na saúde física, sexual, emocional e comportamental das vítimas, bem como pontuados aspectos relacionados às políticas públicas para atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Na sequência, são apresentados os dados obtidos no estudo de casos, com categorização das informações e rastreamento do atendimento de 40 vítimas na área da saúde mental.

Por se tratar de um fenômeno multicausal, a compreensão e o enfrentamento da violência demandam o entrelaçamento de diversas áreas de atuação mediante a adoção de ações coordenadas com foco na prevenção e nos cuidados precoces para as vítimas. O estudo trazido corrobora o entendimento no sentido de que o dimensionamento do problema e a coleta de dados que indiquem a prevalência são fundamentais no enfrentamento do abuso sexual infantil.

Érika
Érika Pucci da Costa Leal

*Érika Pucci da Costa Leal é Mestre em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos. Coautora dos Livros: Temas Avançados de Direito da Saúde, Vol.2, Casos Difíceis (Matrioska, 2021); Direito e Saúde Mental (Juruá, 2021); Direito e Saúde da Mulher (Juruá, 2021); Autora do livro: Abuso Sexual Infantil: Proteção Jurídica e Rede de Atendimento às Vítimas - Natureza e Análise de Casos (Juruá, 2023). Promotora de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP).