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A prática do crime de Stalking e como isso afeta a disputa pela guarda de filhos

A prática de stalking pode influenciar decisões judiciais sobre a guarda, afetando o bem-estar das crianças envolvidas

Carolini Cigolini* Publicado em 26/05/2025, às 06h00

Stalking é crime - pexels
Stalking é crime - pexels

Indiscutivelmente, a disputa pela guarda de filhos é um dos temas que mais movimentam o direito de família e uma das etapas mais sensíveis em um processo de divórcio ou dissolução de união estável.

Não é incomum que em meio a essa ruptura, surjam comportamentos abusivos por parte de ex parceiros ou parceiras, a exemplo do crime de stalking, ou perseguição obsessiva, que tem ganhado destaque ultimamente, não só pelo impacto que tal prática gera na própria vítima, mas sobretudo nas implicações que essa conduta atinge na definição da guarda dos filhos envolvidos.

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No Brasil, desde 2021 o stalking passou a ser tipificado como crime, nos termos da Lei nº 14.132/21, que descreve esse crime de maneira exemplificativa no seu artigo 147-A, a saber: Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

No contexto das relações familiares, esse comportamento pode ser observado no término de um relacionamento onde o fim não foi um consenso. O modus operandi é quase sempre o mesmo: o ex-companheiro (a) segue a rotina da (o) ex-parceira (o), vigia seus passos, envia mensagens constantes, comparece a locais frequentados por ela, contata seus colegas de trabalho, amigos ou familiares e, por vezes, tenta envolvê-la em discussões diante dos filhos.

O que muitas pessoas desconhecem é que esses atos, além de configurarem crime, têm peso significativo nas decisões judiciais sobre a guarda. O princípio do melhor interesse da criança — que rege todas as deliberações sobre guarda no Direito de Família e que é um princípio basilar do Estatuto da Criança e do Adolescente — exige que o ambiente familiar proporcione segurança, estabilidade e afeto.

Um pai ou uma mãe que pratica stalking demonstra justamente o oposto: instabilidade emocional, comportamento controlador e, em muitos casos, desprezo pelas consequências que suas atitudes podem gerar na saúde mental dos filhos, sempre os mais afetados na maioria esmagadora das vezes.

A jurisprudência brasileira tem se mostrado atenta nesse sentido. O stalking tem sido visto como fator de risco e desaconselhável para o exercício da guarda compartilhada. Em situações mais graves, é possível, inclusive, a suspensão do direito de visitas, visitação supervisionada em ambientes controlados ou a concessão de guarda unilateral ao genitor que demonstre maior equilíbrio emocional e capacidade de proteger a criança do ambiente conflituoso.

A orientação inicial para quem pense que possa estar sendo vítima desse crime é que reúna provas como printscreens de conversa em redes sociais, registros de mensagens e telefones, filmagens, depoimentos de amigos, colegas e parentes, entre outros. Há que ser dito, ainda, que em casos onde a conduta se torne mais ofensiva à segurança dessa mulher, é possível que sejam solicitadas medidas protetivas com base na lei Maria da Penha, sobretudo porque a violência psicológica ou emocional, não acaba com o fim da relação conjugal.

A verdade é que como sociedade temos que ter um olhar mais atento com comportamentos que às vezes parecem um cuidado carinhoso ou preocupado, mas que de fato são formas de controle que afetam de forma real a vida. A perseguição obsessiva — que muitas vezes começa com uma enxurrada de mensagens ou uma “passadinha” frequente por lugares onde a outra pessoa está — não é demonstração de afeto, preocupação ou cuidado, mas sim um alerta de que há algo errado. Stalking é violência, ainda que silenciosa, e seus efeitos se espalham como rachaduras no emocional de quem sofre e de quem observa, especialmente as crianças.

Proteger os filhos também significa proteger o ambiente em que eles crescem — e isso inclui garantir que o cuidador esteja emocionalmente seguro. O Judiciário tem um papel essencial nesse processo: ouvir com sensibilidade, agir com firmeza e garantir que o direito à paz e à segurança prevaleça, mesmo depois que o relacionamento termina.

*Carolini Cigolini é advogada especializada em Direito de Família