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A farsa dos repasses do Fundo Partidário para candidatas mulheres

Em períodos eleitorais volta a discussão em torno das candidaturas femininas, tão necessárias. Mas como está o repasse do fundo partidário?

Carol de André Plothow* Publicado em 27/10/2022, às 06h00

Conheça o Instituto Vamos Juntas - Foto: site Vamos Juntas
Conheça o Instituto Vamos Juntas - Foto: site Vamos Juntas

Os últimos anos não têm sido fáceis para mulheres na política (e para nós que trabalhamos com elas). A violência política de gênero, os cortes orçamentários e os retrocessos legislativos foram muitos - uma boa parte do nosso trabalho diário foi de trabalhar para evitar retiradas de direitos.

Foram as pequenas vitórias que nos deram ar para respirar. Em 2021, punimos por seis meses o deputado Fernando Cury que assediou a deputada estadual Isa Penna na ALESP. Um tempo depois, conseguimos na mesma Assembleia a cassação do Arthur do Val que viajou para Ucrânia e enviou um áudio misógino sobre ucranianas vivendo em pleno cenário de guerra. E, claro, uma das vitórias mais lindas foi a derrubada do veto do PL dos absorventes no Congresso Nacional.

No entanto, a cada batalha vencida parece que temos mais três batalhas perdidas. Em 2021, aprovamos a Emenda Constitucional nº111, que buscava estabelecer regras transitórias para distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Para facilitar as palavras da legislação: com essa emenda, conseguiríamos garantir que os partidos que tiverem mais votos em candidatos negros e negras e candidatas mulheres a deputado federal terão direito a cotas maiores do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (fundo partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como fundo eleitoral.

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Com isso, imaginávamos que além da distribuição de 30% do fundo partidário para mulheres e pessoas negras, teríamos um maior investimento de partidos em candidaturas das minorias políticas. Mas, toda vez precisamos lembrar que estamos no Brasil e nada nunca é tão simples: não foi bem isso que aconteceu.

A narrativa que será contada pelos partidos é de que o repasse foi feito. O que aconteceu de verdade foi uma manobra na legislação eleitoral, favorecendo as mesmas candidaturas de sempre. Segundo dados do Jornal Plural, ‘’(...) na disputa por uma vaga na Câmara Federal, a presidente nacional do PT e ex-senadora Gleisi Hoffmann recebeu R$ 1,3 milhão. Se dividido por todas as candidatas a deputada federal pelo PT igualmente, o recurso somaria um repasse de R$ 155 mil para cada uma.

Tudo isto sem contar as discrepâncias na distribuição do fundo eleitoral para candidatos do sexo masculino. A plataforma 72 horas, que acompanha os dados do repasse de recursos de forma comparativa, mostrou que até 19/09, 70% dos recursos partidários estão em candidaturas masculinas e apenas 30% em mãos de mulheres. A diferença entre valores já passa de R$ 200.000.000,000.

O Instituto Vamos Juntas, nos últimos anos, vem acompanhando o trabalho de congressistas e deputados para incidir em advocacy, com o objetivo de fomentar a discussão sobre os direitos políticos das mulheres e no empoderamento de mulheres na política. O Fundo Para Elas, nossa mais recente mobilização, é uma articulação entre movimentos sociais com o objetivo de exigir e pressionar partidos políticos para que realmente cumpram com a lei do repasse do fundo partidário e eleitoral de 30% dos recursos para campanhas políticas de mulheres e pessoas negras.

Mobilizamos partidos políticos, organizações da sociedade civil e atualmente fazemos o monitoramento do repasse do fundo partidário. Acionamos juridicamente e denunciamos ao Tribunal Superior Eleitoral aqueles partidos que não fizeram os devidos repasses de fundo.
A verdade é que estamos cansadas de perder. Com certeza as candidatas que sentiram na pele a discrepância imposta pelo nosso sistema eleitoral serão as que terão a capacidade de alterá-lo no futuro.

*Carol de André Plothow é voluntária do Instituto Vamos Juntas, movimento nacional e suprapartidário que luta pela igualdade de gênero na política. Em 2022, apoio 150 candidatas de 26 estados e 18 partidos, sendo mais da metade mulheres não brancas. Em 2020, elegeu 12 vereadoras.