Algoritmos, redes, infância e adolescência: o novo campo de batalha da educação parental

Entenda a importância da mediação adulta na educação digital das crianças para o controle de algoritmos e redes

Larissa Fonseca* Publicado em 20/10/2025, às 06h00

Algoritmos influenciam o aprendizado e o comportamento de crianças e adolescentes na era digital - pexels

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As crianças e os adolescentes já não crescem apenas em casa, na escola ou no convívio com outras pessoas, nas experiências reais. Crescem também dentro de telas, em um ambiente onde os algoritmos aprendem em segundos o que desperta sua atenção e devolvem, em repetição infinita, aquilo que os mantém conectados por mais tempo. É como se existisse um educador invisível, incansável e silencioso, ensinando sem vínculo, sem contexto e sem pausa. Esse educador se chama algoritmo e ele não dorme.

Cada vez mais, famílias e escolas são convocadas a disputar com esse novo “professor invisível” o espaço da formação moral, emocional, social e cognitiva de crianças e adolescentes, que hoje aprendem tanto no mundo digital quanto no real. O que uma criança ou um jovem vê uma única vez pode se transformar em referência no dia seguinte.

Quando a tela mostra desafios perigosos ou atitudes agressivas, a noção de limite começa a se perder. E quando os vídeos exibem corpos perfeitos e vidas sem falhas, as crianças e os adolescentes passam a acreditar que beleza tem tamanho, cor e filtro. Quando o conteúdo traz crianças mostrando rotinas de consumo ou brincadeiras centradas em marcas e produtos, o brincar simbólico que desenvolve imaginação, empatia e criatividade, cede lugar ao desejo de exibir e competir. Nos vídeos de “unboxing”, nas disputas de “quem ganha mais presentes” ou nas comparações entre roupas e brinquedos, a lógica do consumo substitui a experiência lúdica. E quando personagens infantis falam e agem como adultos, as crianças passam a reproduzir gestos e comportamentos que ainda não compreendem. A imaginação, que antes servia para criar mundos, vira imitação de um mundo que elas ainda não vivem. O faz-de-conta deixa de ser descoberta e se transforma em encenação. Ao mesmo tempo, a presença constante de “pegadinhas”, respostas agressivas e conteúdos que naturalizam o desrespeito ensina, de forma sutil, a rir do erro alheio e a banalizar a falta de empatia. Os adolescentes, por sua vez, são capturados por outra dinâmica, a da visibilidade e da aprovação instantânea. Vivem sob o medo de ficar de fora, medem valor por curtidas e reproduzem comportamentos que garantam pertencimento, ainda que comprometam sua identidade e autoestima.

E quando o feed é dominado pela pressa, pela comparação e pela busca incessante por recompensas, o cérebro aprende a desejar o mesmo ritmo fora da tela. Crianças pequenas tornam-se menos tolerantes à espera, com dificuldade de sustentar a atenção e de lidar com o tédio e o ócio, fundamentais para desenvolvimento da criatividade e do pensamento. Já os adolescentes vivem imersos na urgência de responder, postar e reagir, e, no meio dessa avalanche, quase não há espaço para o silêncio, a introspecção e a convivência genuína.

Aos poucos, o processo natural de amadurecimento vai sendo moldado, comprimido e, muitas vezes, antecipado. O brincar, a curiosidade e a convivência perdem espaço para o conteúdo pronto, o consumo e a comparação. E aquilo que deveria ser experiência, diálogo e construção de sentido passa a ser apenas consumo de imagem.

Enquanto isso, pais e educadores seguem tentando ensinar o valor da espera, a importância do diálogo, o exercício da empatia e da convivência. Mas competem com um universo de estímulos instantâneos, em que a aprovação se mede por curtidas e visualizações.

É uma disputa desigual. O algoritmo seduz com velocidade, brilho e aprovação imediata. Os adultos têm nas mãos o tempo, o olhar e a palavra. Mas, no fim das contas, é justamente disso que crianças e adolescentes mais precisam: de gente de verdade, não de curtidas.

O impacto das redes no desenvolvimento moral, emocional, cognitivo e até sexual de crianças e adolescentes é profundo.

Pesquisas da Sociedade Brasileira de Pediatria e de instituições internacionais apontam para o aumento de sintomas de ansiedade, queda de autoestima e distorções na imagem corporal associados ao uso excessivo das telas.

Mas há também efeitos silenciosos sobre o pensamento e a aprendizagem. A exposição constante a vídeos curtos e estímulos rápidos reduz a capacidade de atenção, fragmenta o raciocínio e compromete a memória de trabalho, justamente aquela que sustenta o aprendizado escolar e o pensamento reflexivo.

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O perigo, porém, não está apenas no conteúdo explícito, está na repetição. Ver a mesma ideia, imagem ou comportamento inúmeras vezes transforma aquilo em verdade. A mente aprende por exposição e frequência muito antes de desenvolver a criticidade necessária para escolher o que internaliza. Por isso, educar hoje é também ajudar a criança e o adolescente a desacelerar o olhar para que aprendam a pensar, e não apenas a reagir.

Não se trata de culpar a tecnologia, mas de reconhecer que o ambiente digital também educa. E, se educa, exige presença, intencionalidade e mediação dos adultos. Estar junto é mais importante do que controlar. Conversar sobre o que aparece nas telas, perguntar o que o filho entendeu, contextualizar o que é real e o que é fabricado. Falar sobre corpo, respeito, privacidade e valores antes que a internet assuma esse papel sozinha.

A função educativa do adulto continua sendo insubstituível. São eles que oferecem repertório simbólico, acolhem dúvidas, ensinam a pensar e a sentir. Crianças e adolescentes precisam de adultos disponíveis, não apenas vigilantes. De escuta, não de silêncio. De convivência, não de vigilância passiva. Educar na era digital é reconstruir o diálogo entre gerações, resgatando o papel do adulto como mediador de experiências e guardião do sentido.

O algoritmo pode prever comportamentos, mas não compreende intenções. Pode capturar olhares, mas não cultiva vínculos. Pode sugerir conteúdos, mas não forma consciências. Essa tarefa ainda é e deve continuar sendo profundamente humana. E talvez a pergunta mais urgente para você responder seja: quem está educando seus filhos: você ou os algorítimos?

 

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres

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