Surdos devem ter liberdade para escolher escola, diz autor de livro sobre a cultura surda

Domingo, 23 de abril, é dia da educação de surdos. Conheça Alex Junior, autor do livro "Olhos que escutam"

Raphael Preto Pereira* Publicado em 23/04/2023, às 06h00

Alex Junior no lançamento de seu livro - Foto: divulgação

No início dos anos 2000, Alex Junior, que é surdo, iniciava seu processo de inclusão escolar. Até hoje essa tarefa é difícil, mas no começo do século era muito mais. A qualificação dos professores ainda é uma tarefa a ser cumprida, como demonstra um painel de dados sobre educação inclusiva criado pelo Instituto Rodrigo Mendes em parceria com Unibanco lançado no ano passado, em que apenas 5,5 % dos professores regentes nas escolas são capacitados com formação para lidar com estudantes que tenham alguma deficiência.

Entre os educadores que são responsáveis pelo processo de atendimento educacional especializado (AEE), o número cresce um pouco, mas não atinge a metade desses profissionais, estacionando em 45%.

“Acredito que qualquer escola na época de 2000 teria a mesma dificuldade, afinal os professores não estavam preparados para receber alguém que apenas se comunicava pela leitura labial e que estava aprendendo a falar no início do seu desenvolvimento Infanto-juvenil”, afirma Alex Junior, autor do Livro Olhos que escutam, que é um surdo oralizado, se expressa através da fala.

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Sua obra procura retratar as dinâmicas de uma pessoa surda em meio a uma sociedade que ainda não está totalmente preparada para lidar com a diferença. “Inicialmente o processo foi surpreendente, pois descobri que a cultura surda não está aplicada somente a libras como é a crença da maioria da população brasileira.”, explica o autor.
Nesta entrevista, ele fala sobre a escola, onde considera que o mais difícil de suportar foi o “preconceito, a discriminação e os constantes bullyings.”, relata sobre o processo de escrita do seu livro e defende que as pessoas surdas tenham “liberdade para escolher” entre seguir numa escola regular ou especial.

 

Segue entrevista com Alex Junior

 

Em vários dos seus vídeos você ressalta que a cultura surda tem várias dinâmicas e cenários. Como foi o processo para tentar abarcar todas essas especificidades na sua obra?

AJ - Inicialmente o processo foi surpreendente, pois descobri que a cultura surda não está aplicada somente a libras como é a crença da maioria da população brasileira. Além disso, a diversidade da surdez engloba várias categorias e todas elas encontram dificuldades para serem entendidas e aceitas como parte da surdez, já que a mesma só é conhecida através da língua brasileira de sinais - LIBRAS.

Foi muito difícil encontrar uma escola que aceitasse a sua opção pela oralização em vez do aprendizado da língua brasileira de sinais como primeira língua?

AJ - Acredito que qualquer escola na época de 2000 teriam a mesma dificuldade, afinal os professores não estavam preparados para receber alguém que apenas se comunicava pela leitura labial e que estava aprendendo a falar no início do seu desenvolvimento Infanto-juvenil. O que foi difícil foi o preconceito, a discriminação e os inconstantes bullyings.

Qual é sua opinião sobre escolas bilingues que atendem apenas pessoas surdas?

AJ - Eu parto do seguinte pressuposto de que quanto mais opções para escolher, melhor. Desde que a pessoa tenha consciência da escolha e se sinta bem com o que foi escolhido.

Qual foi a sua maior dificuldade acadêmica quando estava na escola?

AJ - Literalmente prestar atenção nos professores, afinal eu era o único na sala que não ouvia e precisava da leitura labial. Os professores ficavam de frente para mim a fim de poder ler seus lábios, porém não era 100% eficiente já que as pessoas andam pela sala e não adiantaria ter intérprete de libras para o meu caso, pois eu estava iniciando o meu processo de oralização que é uma técnica através de meios visuais.

Capa do livro de Alex Junior

 

Qual foi sua maior dificuldade de socialização quando estava na escola?

AJ - Com certeza a minha voz. A minha voz entregava a minha “D-Eficiência”, como costumo chamar, já que as pessoas não estão acostumadas com o diferente e não possuem preparo psicológico nem mental para lidar com o diferente, apresentando atitudes capacitistas e comportamentos inadequados quando eu tentava falar com alguém.

Como uma pessoa surda pode fazer quando quer percorrer um novo desafio acadêmico como, por exemplo, aprender outra língua?

AJ - A mesma coisa que aprendi o português. Posso aprender o inglês, o espanhol, afinal se eu que não ouço posso falar o português, porque não poderia o inglês? O desenvolvimento é o mesmo. A dificuldade é a mesma. O que irá definir é a determinação, a persistência em atingir o êxito da sua capacidade. Acrescentando que para melhor eficiência na comunicação, é necessário a presença de um professor/fonoaudiólogo que ensine cara a cara. Isso muda o desempenho demasiadamente.

Questões como oralização ou não da pessoa surda estão dividindo demais a comunidade surda? Como podemos fazer para superar esses desentendimentos?

AJ - Essas questões são bem antigas e perduram até hoje. A comunidade surda é fiel a sua própria identidade que é caracterizada pela cultura da língua brasileira de sinais e alguns dentro da própria comunidade não apoia muito a ideia de que possa ter surdos oralizados que se adaptam ao mundo dos ouvintes. Para superar esses despedimentos será necessário romper a barreira da ignorância que permeia na comunidade surda e começar a fortalecer a empatia e o respeito diante das escolhas daqueles que optaram por se oralizarem. Todo mundo iria sair ganhando.

Como garantir que a comunidade surda não perca direitos e possa ficar unida?

AJ - Colocando ela mais presente no mundo, exterminando a invisibilidade que paira sobre a cultura surda desde os tempos antigos. Colocando opções tanto visuais que são necessárias as legendas quanto gestuais que remetem a LIBRAS em um mundo onde a audição é superior.

Qual o conselho que você dá para quem está iniciando o processo de inclusão escolar?

AJ - Busque informações com pessoas que já possuem a pele em risco, que entendem a realidade do mundo. Apenas incluir por incluir é a ponta do iceberg. A inclusão tem que ser feita para evoluir não só com os D-Eficientes, mas para toda a sociedade humana que ascende nas necessidades diferentes.

Como é o mundo que você imagina daqui 20 anos para pessoas surdas?

AJ - Totalmente adaptável e com opções que diminuirão a larga ponte entre os surdos e os ouvintes. Se no passado não existia WhatsApp e o presente o possui, o futuro será superior na comunicação. Já está o curso a tecnologia que irá traduzir libras para o português simultaneamente e a criação do óculos que irá legendar tudo que a pessoa fala em tempo real como se estivesse a ouvindo. A tecnologia é o clímax que exterminará toda a distância social entre os povos do mundo.

*Raphael Preto Pereira é jornalista

 

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