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"Mas a fila estava grande!" Sobre a geração da reclamação

Aprenda como redirecionar as atitudes das crianças em relação às experiências

Larissa Fonseca* Publicado em 06/08/2025, às 09h00

As crianças se decepcionam porque são expostas à altas expectativas - pexels
As crianças se decepcionam porque são expostas à altas expectativas - pexels

Você organiza o passeio, prepara o lanche, enfrenta o trânsito, paga a entrada, acompanha cada passo. Eles brincam, se divertem, riem, aproveitam. E na volta, vem o comentário: "Mas a fila estava muito grande"... A cena te soa familiar? Depois de um dia incrível, tudo o que ficou foi a reclamação? Reclamar virou um hábito?

Pois é. Cada vez mais pais, mães e educadores têm notado um comportamento recorrente nas crianças (e também nos adolescentes): mesmo diante de momentos incríveis, experiências planejadas com carinho, cheias de oportunidades, o que fica, muitas vezes, é a queixa, a reclamação, o detalhe que não foi perfeito.

Vivemos um tempo desafiador! Nunca se ofereceu tanto, se facilitou tanto, se personalizou tanto. E, ainda assim, o "não foi como eu queria" parece pesar mais do que tudo que deu certo. Parece que o filtro está calibrado para notar o que faltou, e não o que foi vivido. É geração que vive o melhor... mas só comenta o pior.

Isso gera frustração. Nos adultos que se esforçam para proporcionar momentos especiais, nos educadores que preparam com dedicação atividades variadas, e nos próprios filhos, que vivem em um ciclo constante de expectativas altas e decepções rápidas.

Mas o que está por trás disso? Por que nada nunca parece ser o suficiente pros nossos filhos?

Parte dessa “geração da reclamação” nasce da baixa tolerância à frustração, da ideia (ainda que inconsciente) de que tudo precisa sair como o esperado, e rápido. Com o acesso imediato a entretenimento, atenção e consumo, muitas crianças têm menos contato com a espera, o tédio, a adaptação, a aceitação de que nem tudo vai ser exatamente como imaginaram. E quando o real não corresponde ao ideal, sobra insatisfação.

O que podemos fazer como adultos responsáveis por essa geração?

  • Nomear os sentimentos: Validar que “não gostar de esperar” ou “ficar chateado com a chuva no dia do passeio” é normal, mas que isso não precisa apagar o todo.
  • Ajudar a ressignificar: Incentivar as crianças a olharem para o todo, resgatando o que foi bom, divertido, inusitado.
  • Modelar gratidão e aceitação: Mostrar que também sentimos frustração, mas que podemos escolher o que destacar: o que deu errado ou tudo o que foi bom.
  • Evitar superproteção emocional: Às vezes, ao tentar agradar sempre, criamos uma ideia de que a vida precisa ser perfeita. Mas não precisa e não será.
  • Focar no processo, não só no resultado: Incentivar o valor da experiência, mesmo quando ela não é “instagramável”.

Outra sugestão é usar perguntas bem formuladas sobre a experiência, que ajudem a redirecionar o foco da criança ou adolescente, promovendo reflexão e reforçando uma visão mais equilibrada do vivido.

Veja também

Aqui vão algumas sugestões:

  • O que foi mais legal pra você hoje?
  • Teve algum momento em que você deu risada ou se sentiu feliz?
  • Se fosse contar esse dia pra um amigo, o que você falaria primeiro?
  • Mesmo com a fila, o que ainda valeu a pena?
  • Teve alguma coisa nova que você aprendeu hoje?
  • Se a gente fosse repetir esse dia amanhã, o que você ia querer manter igual?
  • Teve alguma surpresa boa que você não esperava?
  • Quem foi uma boa companhia hoje?
  • Qual parte você gostaria de guardar na memória como um "momento especial"?
  • Se esse dia virasse uma cena de filme, qual parte você escolheria mostrar?

Essas perguntas ajudam a ampliar o olhar, a exercitar gratidão, a reconhecer o que foi vivido mesmo que não tenha sido perfeito.

No fim das contas, educar também é ajudar nossos filhos a enxergarem beleza nos dias nublados, a lidarem com o “não era bem assim”, e a valorizarem o que foi feito com amor mesmo quando tem fila, chuva ou o sorvete não é de chocolate.

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres