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Estamos hiperativando nossas crianças?

Entenda como a influência das telas e da agenda cheia está moldando nossas crianças para ser uma geração mais hiperativa

Larissa Fonseca* Publicado em 17/03/2025, às 06h00

A agenda cheia é um dos fatores que impede as de crianças terem tempo para explorar e refletir
A agenda cheia é um dos fatores que impede as de crianças terem tempo para explorar e refletir

Vivemos em um mundo acelerado, repleto de estímulos e informações a todo momento. Isso, que já é desafiador para nós adultos, tem um impacto ainda maior nas crianças.

O excesso de telas, a agenda cheia de atividades, a pressão acadêmica e a falta de momentos de descanso mental estão moldando uma geração que tem dificuldade de se concentrar, refletir e até mesmo desfrutar do simples ato de pensar.

Se pararmos para observar, perceberemos que muitas crianças hoje não conseguem ficar entediadas sem buscar imediatamente um estímulo externo, seja um celular, um vídeo ou uma atividade pronta. Ao mesmo tempo, está cada vez mais raro ver crianças que realmente cultivam o hábito da leitura ou outros que envolvem atividades de criação e atuação ativa. E por que será que isso acontece? Elas estão acostumadas a consumir informações de forma rápida e fragmentada, quase sempre por meio de vídeos curtos e imagens que não exigem esforço mental. Com isso, ler um livro, acompanhar uma história mais longa ou até mesmo refletir sobre um problema tornam-se tarefas cansativas e pouco atrativas.

Essa hiperativação infantil gera consequências. Na escola, muitas crianças têm dificuldade de prestar atenção por períodos prolongados. Algumas demonstram impaciência diante de atividades que exigem raciocínio mais profundo. Outras se frustram rapidamente quando não recebem respostas instantâneas. Estamos diante de uma geração que pode estar perdendo a capacidade de pensar com calma, organizar ideias e desenvolver a criatividade sem depender de estímulos constantes.

Um reflexo desse cenário é o aumento do diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Embora o transtorno seja real e precise ser tratado com seriedade, há um questionamento crescente sobre a possibilidade de diagnósticos precipitados. Será que todas as crianças que demonstram dificuldade de atenção realmente têm um transtorno ou estamos criando um ambiente que torna a concentração cada vez mais difícil?

Quando as crianças são constantemente bombardeadas por estímulos rápidos e imediatos, é natural que tenham mais dificuldade de focar em tarefas mais lentas e desafiadoras. Antes de rotularmos um comportamento como um problema clínico, é fundamental refletirmos sobre o contexto em que essas crianças estão inseridas.

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E o que podemos fazer para mudar esse cenário?

O primeiro passo é equilibrar os estímulos. As telas, por exemplo, não precisam ser proibidas, mas devem ser usadas com limites e propósito. Precisamos oferecer momentos sem distrações para que as crianças aprendam a lidar com o silêncio e a própria imaginação. O tédio, muitas vezes visto como algo negativo, é um espaço valioso para a criatividade e o desenvolvimento do pensamento. Além disso, incentivar a leitura desde cedo, com livros que despertem interesse e curiosidade, é essencial para treinar a atenção e a capacidade de interpretar informações mais complexas.

Também é importante rever o ritmo da infância. Será que todas as atividades extracurriculares são realmente necessárias? Será que as crianças têm tempo para brincar livremente, sem regras ou objetivos definidos? O excesso de compromissos pode ser tão prejudicial quanto a falta deles. Crianças precisam de tempo para explorar, para fazer perguntas, para imaginar e para construir seu próprio pensamento.

Se queremos crianças mais criativas, reflexivas e capazes de enfrentar desafios com autonomia, precisamos permitir que desacelerem. O mundo já é acelerado o suficiente. Dar a elas um espaço para pensar, imaginar e simplesmente ser criança pode ser o maior presente que podemos oferecer.

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres