Inclusão no mercado de trabalho: desafios e oportunidades para pessoas com deficiência
Dra. Alice Rosa Ramos* Publicado em 01/07/2024, às 06h00
A palavra inclusão está cada vez mais presente no vocabulário de autoridades públicas, empresas, mídia e sociedade de forma geral. Mas infelizmente, quando olhamos para o universo da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, a diferença entre discurso e prática é gritante.
Recente pesquisa da Oldiversity, do grupo Croma, aponta que oito em cada dez pessoas com deficiência no Brasil declaram que as empresas têm preconceito ao contratar. Esse cenário acaba levando boa parte dessa população à informalidade, como mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), que destaca que, dentre os profissionais ocupados com deficiência, 55% trabalham sem carteira assinada. Entre a população sem deficiência a taxa de informalidade é de 38,7%. Para piorar a situação, o IBGE também aponta que 12 milhões de pessoas com deficiência no Brasil estão completamente fora da força de trabalho. Ou seja, apenas 30% dessa população no Brasil está ocupada e gerando renda.
São dados alarmantes e preocupantes, que se demonstram a despeito de hoje termos evoluído muito em termos de legislação, com destaque para dois marcos importantes nas últimas décadas: a Lei de Cotas, de 1991, e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em vigor desde 2015. Então, o que efetivamente está faltando para a inclusão sair do papel e ir para a prática? Para tentar responder a essa pergunta, é importante dizer que, em uma sociedade idealmente inclusiva, a educação de qualidade é primordial. Ou seja, é fundamental que o poder público faça a sua parte e, desde a base, prepare as pessoas com deficiência para o mercado de trabalho. Na prática, sabemos que infelizmente isso não acontece, e por isso vemos as empresas sempre destacando a dificuldade de se “cumprir cotas”, já que a grande maioria dessa população não tem a oportunidade de uma boa capacitação. Mesmo que o cenário não seja o ideal, as corporações também poderiam investir mais no treinamento da pessoa com deficiência, além de preparar todos os demais colaboradores para conviver e trabalhar com essa diversidade. Ações nesse sentido ainda são pontuais e tímidas. Há toda uma cadeia de problemas que começa na origem, ou seja, há lacunas grandes desde o ponto de partida, que é oferecer tratamento e reabilitação de ponta com o intuito de que cada um possa chegar ao seu máximo potencial e conquistar autonomia para viver e realizar seus sonhos. A AACD trabalha justamente nessa frente, com atendimento completo e multidisciplinar para que os nossos pacientes tenham o direito, garantido por lei, de viver de forma plena. Para que isso aconteça, é fundamental o médico especializado, sessões de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, entre outras, que podem durar até cinco anos, além do fornecimento e reparo constante de produtos ortopédicos. Precisamos de governos, empresas e da sociedade engajada, mas, mesmo num mundo em que cada vez mais se fala de ESG, temos encontrado enormes obstáculos. Ações pontuais ganham espaço, mas são poucos o que efetivamente estão ao nosso lado para mudar essa realidade. Precisamos ter mais agentes para trazer essa discussão para além dos muros das instituições sociais e do ativismo digital. A presença da pessoa com deficiência na força de trabalho das empresas é fundamental. É impossível gerar consciência de uma realidade que não é percebida e mensurada. Em sinergia, a devida inclusão no ambiente de trabalho pode ainda impulsionar a viabilização de novas oportunidades de negócio ao ampliar a ótica de atuação das companhias para públicos diversos.
Um fator crucial para mais equidade de acesso e inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho é o engajamento das autoridades públicas. Por exemplo, sem uma cidade preparada e com transporte público acessível, a pessoa com deficiência sequer consegue se deslocar ao seu local de trabalho. No caso das grandes empresas, para além dos comitês de diversidade e ações afirmativas, ampliar o debate de acessibilidade e inclusão é fundamental. Existem caminhos. É preciso vontade.
Dra. Alice Rosa Ramos – médica fisiatra e superintendente de Práticas Assistenciais da AACD. Atende pessoas com deficiência física há mais de 30 anos.