Você sabe qual a diferença entre as terapias ABA e Denver para pessoas com autismo?
Guto Maia* Pedro Rosengarten Baptista** Publicado em 26/12/2024, às 06h00
Toda polarização causa discussões acaloradas. Onde há ferida, há um dedo a postos à espreita. Com o aval generoso da Revista Reação, vamos pô-lo como exercício nos temas mais controversos do nosso ambiente da família com deficiência, para que nos habituemos ao debate respeitoso e ao direito inegociável do contraditório, uma das maiores virtudes da democracia.
A discussão mais quente da atualidade no nosso meio, é o tema do autismo (considerado modismo, por alguns!) e as terapias que o envolvem em disputa de interesses gigantes: Terapia ABA versus Terapia Denver versus demandas econômico-sociais públicas versus privadas, versus Modelo Médico versus Modelo social da deficiência.
Esses assuntos polêmicos inauguram um novo gênero de conversa: a roda de debate de assuntos delicados. A proposta traz uma reflexão crítica sobre a abordagem terapêutica destinada a indivíduos autistas. Por meio de três perguntas provocativas, explorados os dilemas éticos, metodológicos e sociais que envolvem a escolha de tratamentos para o Autista.
A análise inicial gira em torno de duas das abordagens mais reconhecidas: a Análise Comportamental Aplicada (ABA) e o Modelo Denver de Intervenção Precoce (DENVER). São levantadas as implicações dessas terapias na vida das pessoas autistas e suas famílias, destacando que a decisão entre elas frequentemente não é do próprio autista, mas de pais, cuidadores ou profissionais. A obra critica a imposição de um modelo único, apontando a necessidade de personalização e respeito à singularidade do indivíduo autista. A mensagem central é a urgência em superar a visão de que há um único caminho correto.
Aqui, os autores mergulham em um debate filosófico e social sobre autonomia e poder de decisão no universo da pessoa autista. Eles questionam a ideia de que as escolhas terapêuticas são genuínas, especialmente em contextos onde fatores como custo, acesso e pressão social limitam as opções disponíveis. A narrativa revela um cenário em que, muitas vezes, a ausência de escolha é mascarada pela ideia de "melhor tratamento". O texto convida à reflexão sobre a necessidade de sistemas mais inclusivos e acessíveis.
Essa questão fecha o ciclo de provocações, virando o olhar do leitor para o autista como sujeito e não como objeto de intervenções. Guto & Pedro chamam atenção para a riqueza da diversidade neurocognitiva, pedindo um movimento para além da patologização. Em vez de centralizar o debate no que "falta" ao autista, os autores desafiam preconceitos e estigmas, propondo uma visão que celebra as singularidades. A resposta a essa pergunta, implicitamente construída ao longo do texto, exige que o leitor reavalie seus próprios paradigmas.
Esta provocação pretende revelar que, mais do que pesquisadores, somos defensores apaixonados de uma perspectiva humanizada e inclusiva. Nossas perguntas não buscam respostas simples, mas sim provocar uma discussão ampla e plural. Instigamos o leitor a questionar o status quo das práticas terapêuticas e a reconhecer o valor da pessoa autista em toda sua complexidade. Com linguagem acessível e crítica afiada, o texto é uma leitura sugestiva para pais, profissionais e pesquisadores envolvidos no universo do autismo.
Propomos não apenas a revisão dos métodos, protocolos, modelos, terminologias, mas a valorização da dignidade humana em cada escolha terapêutica e no olhar para a neurodiversidade. Buscaremos sempre dar uma contribuição marcante na direção de uma sociedade mais empática e equitativa.
A condição particular da neurodiversidade do Autismo, envolve um amplo de rol de características que se confundem pelos desafios na comunicação, interação social e episódios de instabilidade emocional. Entre as abordagens terapêuticas mais difundidas estão a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e o Modelo Denver de Intervenção Precoce. Ambas têm defensores e detratores, mas o dilema sobre qual abordagem é mais apropriada continua a dividir famílias, profissionais e políticas públicas. Este artigo explora uma análise comparativa entre as terapias, considerando evidências científicas, aspectos econômicos, éticos e legais, e incluindo vozes de especialistas e pessoas autistas.
A ABA é uma abordagem estruturada, frequentemente aplicada em ambientes controlados, que utiliza reforço positivo para ensinar habilidades específicas e modificar comportamentos indesejados.
Ela é amplamente reconhecida por sua eficiência no manejo de comportamentos problemáticos e promoção de independência funcional, mas enfrenta críticas por sua natureza rígida e potencial impacto negativo na saúde mental do autista, como relatada a psicóloga e psicanalista autista Natália Insuelas:
"A normatização causada pela ABA pode ser percebida como traumática para alguns indivíduos autistas."
“Um ponto que acho que pode ser incluído é que uma criança de 6 meses a 5 anos dificilmente terá opção de escolha. Será algo imposto pela família e pela medicina”.
Por outro lado, o Modelo Denver utiliza um enfoque naturalista e centrado na criança, estimulando habilidades por meio de atividades cotidianas e interações sociais. Ele é mais indicado para crianças pequenas e enfatiza o envolvimento dos pais como coterapeutas. Contudo, críticas incluem sua aplicação variável e falta de evidências robustas que comprovem sua eficácia em longo prazo.
Ambos os métodos têm limitações metodológicas nos estudos existentes, com evidências classificadas como de "muito baixa certeza". Enquanto o ABA é amplamente aplicado no Brasil, o Modelo Denver ainda é menos acessível e enfrenta desafios de implementação no Sistema Único de Saúde (SUS).
Interesses econômicos influenciam o debate, especialmente em sistemas de saúde suplementar. A cobertura dos métodos varia, e a judicialização é crescente, aumentando a pressão sobre famílias já sobrecarregadas.
Marcos Besserman Vianna, médico pediatra, especialista em saúde pública e inclusão, critica o tratamento do autismo como uma doença:
"A condição do autismo não é uma patologia, mas uma diversidade humana. Devemos abandonar classificações médicas e adaptar a sociedade às pessoas autistas.".
A Constituição Brasileira, em seu artigo 196, garante o direito à saúde para todos, mas a implementação de políticas inclusivas e acessíveis ainda enfrenta desafios práticos.
O dilema entre ABA e Modelo Denver reflete uma luta de representatividade. Enquanto interesses econômicos moldam as discussões, a voz das pessoas autistas muitas vezes é marginalizada.
Como destaca Besserman: “É essencial reavaliar a abordagem ao autismo, priorizando a adaptação societal e rejeitando a patologização.”
No entanto, até que políticas inclusivas sejam amplamente implementadas, famílias continuarão enfrentando escolhas limitadas e desafios significativos.
Ouvimos muitos autistas adultos, que têm opiniões bem plurais sobre os dois métodos e sobre encaminhamentos no acompanhamento de autista.
Buscamos com este debate, provocar reflexões sobre a escolha das abordagens terapêuticas voltadas ao autismo, centrando-se nas terapias ABA (Análise Comportamental Aplicada) e Denver (Modelo de Intervenção Precoce).
Consideramos limitante a polarização entre os métodos, e a falta de autonomia do autista no processo de escolha terapêutica, refletindo sob aspectos filosóficos, sociais e éticos.
ABA: É uma abordagem mais estruturada e diretiva, com foco na modificação comportamental por meio de reforços positivos. Apesar de sua eficácia, enfrenta críticas quanto ao possível impacto na saúde mental dos autistas devido à normatização excessiva.
Modelo Denver: Propõe um método mais naturalista e interativo, centrado na criança, com a participação ativa dos pais. Sua aplicação é mais indicada para crianças pequenas (até 5 anos), mas carece de evidências robustas a longo prazo e acesso facilitado no SUS.
Ausência de Escolha: Destacamos os desafios de acesso às terapias, influenciados por fatores econômicos, sociais e estruturais, revelando a falta de opções reais para muitas famílias.
Visão Humanizada: Acreditamos numa perspectiva que valoriza a neurodiversidade e respeita a singularidade do autista, defendendo a necessidade de um sistema terapêutico mais inclusivo.
Às vezes, sentimos que se busca criar uma falsa dicotomia entre ABA e Denver, que reduz o autista a um objeto de intervenção. Buscaremos cada vez mais, por meio de linguagem acessível e provocativa, convidar o leitor a refletir sobre os impactos dessas terapias na vida dos indivíduos autistas e suas famílias.
Além disso, ao desafiar a patologização, nos alinhamos a movimentos contemporâneos que defendem a dignidade e a inclusão da pessoa autista. A abordagem crítica é pertinente e necessária, sobretudo em um contexto onde decisões terapêuticas são frequentemente limitadas por barreiras estruturais e econômicas.
Procuraremos ampliar um debate plural e respeitoso sobre as terapias para o autismo. Buscamos dialogar em alto nível com famílias, profissionais da saúde e pesquisadores, com uma abordagem crítica que desafia preconceitos e propõe um olhar humanizado e inclusivo.
Em síntese, cremos que não há uma única resposta correta, destacando a importância de personalizar o tratamento e respeitar a diversidade neurocognitiva.
Vale o debate para chamar cada vez mais atenção das famílias que não têm acesso, nem sabem exatamente o que são os dois métodos
* Guto Maia (José Augusto Maia Baptista) é Neuropsicopedagogo Clínico e Institucional, Pós-graduado em Docência do Ensino Superior, Pós-graduado em Direitos Humanos, Saúde, Acessibilidade e Inclusão, Pós-graduado em Neuropsicopedagogia, Graduado em Ciências Sociais Licenciatura, Professor convidado ENSP/Fiocruz RJ
** Pedro Rosengarten Baptista é Graduando em Tecnologia de Eventos, Pessoa Autista, 25 anos, Palestrante credenciado Museu da Inclusão/SP, Membro da comunidade de Talentos ONU, Prêmio Marco da Paz – Inclusão Sem Limites da ACSP, Cofundador da 1ª Escola do Pensamento Fora do Padrão