A importância da proteção das crianças brasileiras no dia a dia
Vinicius Campos* Publicado em 29/09/2022, às 15h07
Parceria Institucional:
No Brasil, por incrível que pareça, não há um registro nacional da violência que ocorre. O governo não tem números unificados que retratem a segurança, ou a falta de segurança, do nosso povo. Por isso nasceu o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma organização não governamental que reúne os dados dos diferentes Estados e todos os anos faz um anuário que nos mostra como está o nosso País no quesito da segurança.
Sei que é triste, mas violência também acontece, e acontece bastante com os nossos filhos e os filhos de todas. Por isso, neste mês, conversamos com a Sofia Reinach, formada em administração pública e governo pela FGV, uma das integrantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e com Paulo Bueno, doutor em Psicologia Social, para entender como está a segurança dos nossos pequenos e como isso reflete em seu desenvolvimento.
Os números são alarmantes. Nossas crianças sofrem violência com muito mais frequência do que imaginamos. A Sofia me explicou: "a gente tem dois grandes fenômenos, um deles é a violência doméstica, aquela que acontece dentro de casa, que tem como agressor pessoas conhecidas da criança. É a maioria dos casos e mal tratos, de violência sexual, e vitimizam mais meninas até catorze anos." Apesar desta afirmação,ela me chama a atenção para o fato de que violência sexual não acontece somente com meninas, inclusive, até os quatro anos de idade os números entre meninas e meninos são bem parecidos.
Tristíssimo, mas é real. Crianças com menos de quatro anos sofrem abusos. Em 2021, foram mais de vinte mil boletins de ocorrência por violência doméstica, mas o número tende a ser bem maior, já que muitas crianças não encontram maneira de denunciar.
Quis saber se existe um caminho para resolver o problema. O Paulo Bueno, psicólogo, que trabalha na linha de frente do atendimento, me disse que é importante preparar e educar os professores para que eles percebam o que está acontecendo e ajudem a denunciar o sofrimento desta criança. Segundo ele, geralmente a criança muda seu comportamento, reage diferente ao contato humano e dá outros sinais de que alguma coisa está errada. Paulo me contou que uma das atividades onde foi pautada a temática da violência "foi muito desestabilizadora para as professoras que estavam ali porque elas recordaram de situações com alunos e alunas que elas testemunharam… e o quanto elas se achavam, na época do acontecimento, sem recursos para conseguir lidar com essa situação."
Os professores são, nos Estados Unidos, os principais denunciantes de violência contra crianças. No Brasil não temos esse dado mas, sem dúvida, precisamos prepará-los para perceber que a criança está sofrendo e lhes dar ferramentas para saber encaminhar o problema às autoridades. Sofia e Paulo bateram muito na tecla da intersetorialidade, ou seja, a conversa necessária que deve existir entre diferentes setores para pensar ações e programas que protejam as crianças.
Só é possível protegê-las de forma efetiva se os profissionais da saúde, os profissionais da educação e a polícia atuam juntos. Não existe outra possibilidade de atender as crianças do jeito que elas merecem, e a Sofia alerta que todos os programas, que vinham atuando nesse sentido, foram destruídos no último governo.
O Paulo, que trabalhou muito tempo no atendimento de vítimas, disse que nunca atendeu ocorrências em famílias homoafetivas e nem mesmo em famílias compostas só por mulheres, nos comuns casos de mães e avós que se ocupam pelo bem-estar da família. Por mais que o discurso dos conservadores religiosos seja de que os gays são uma má influência para as infâncias, a violência doméstica ainda é, em sua esmagadora maioria, causada por homens héteros.
Os meus dois convidados afirmam que a educação sexual nas escolas é fundamental para que as crianças entendam se estão ou não sofrendo violência em casa e tenham segurança para denunciar o sofrimento pelo qual estão passando. Por enquanto, a educação, é a única maneira que conhecemos para ajudar que essa violência diminua. Os números são altíssimos e para mudar essa realidade precisamos que toda a sociedade esteja envolvida. No final do texto vou deixar o link do anuário com os números de cada um dos anos e as análises dos profissionais que trabalham no Fórum.
O outro tipo de dado do anuário que assusta muito é aquele que mostra a violência que ocorre nas ruas por armas de fogo. As mortes começam a acontecer a partir dos dez anos de idade, mas os números se tornam assustadores na faixa entre 14 e 18 anos. As vítimas são jovens negros periféricos e quem aperta o gatilho, na maioria das vezes, é a polícia. "A grande maioria dos casos, são milhares mesmo, são números estarrecedores, mata jovens, adolescentes, negros… é um cenário gravíssimo." - comenta Sofia.
Tem gente que justifica, que diz que são bandidos, que devem ser mortos. Mas são só crianças, algumas cometendo erros, como os meus e os seus filhos. Tem muito jovem morrendo por ter posse de maconha. Meus filhos fumam, fumaram, meus filhos erram, meus filhos fazem bobagens todos os dias, eu fazia quando era jovem. Mas sou branco, e o meu erro não me levou para a tumba. Que País injusto!
É tão absurda a situação que no Congresso Nacional temos uma bancada da bala, deputados que estão ali, com salários pagos pelos nossos impostos, defendendo armas e o armamento da população. Além do mais, convivemos diariamente com programas de TV sensacionalistas, com apresentadores brancos, heterossexuais, gritando a favor do armamento e incentivando o uso de armas, e o resultado que vemos é tristíssimo. 83,6% das crianças assassinadas por arma de fogo são negras. E Sofia ressalta: "83% de milhares, Vini, são milhares!"
Sofia diz que os números de mortes por arma de fogo diminuíram no último anuário impulsionados pelas câmeras nos uniformes dos policiais do Estado de São Paulo, iniciativa do ex-governador João Dória. Ou seja, parece que gravar a ação dos policiais ajuda a coibir os assassinatos de nossos jovens. E fica aqui a dica, se no seu Estado isso ainda não foi implementado (a segurança pública é quase toda responsabilidade dos Estados), cobre dos candidatos uma posição em relação a este assunto..
Quando perguntei a meus dois entrevistados o que os candidatos aos governos e à presidência precisam ter em seus programas de governo para ganhar sua confiança, os dois me disseram: intersetorialidade - ou seja, propostas onde diferentes setores trabalhem de forma articulada para garantir que nossas crianças estejam seguras. E eu vou colocar isso na minha lista também. É vergonhoso, triste e nojento que nossas crianças sofram violência doméstica, que sejam abusadas por familiares, e que sejam assassinadas pela nossa polícia. Precisamos de um pacto social para que nenhuma criança no nosso País passe novamente por situações desse tipo. Sofia diz que muitas iniciativas que funcionavam foram destruídas no governo atual e que precisam ser retomadas urgentemente se queremos que as coisas sejam diferentes.
Outubro está chegando, e a violência contra as crianças deveria ser um dos assuntos mais importantes da campanha. Porque seres humanos que sofrem violência na infância carregam feridas difíceis de cicatrizar e possivelmente serão adultos com dificuldades de viver em sociedade e contribuir para que nosso País seja um lugar melhor.
Todos os meses, cada vez que estudo um novo assunto para o Filhos de Todas, mais me convenço de que os políticos e a sociedade brasileira não dão a real importância que as infâncias merecem e os resultados estão aí para quem quiser ver. Somos um país com problemas estruturais, e a estrutura de uma sociedade se define e se fortalece nas infâncias.
O vídeo com a entrevista dos convidados está disponível no link abaixo. Veja o vídeo, compartilhe o texto, precisamos de mais pessoas engajadas com o desafio de cuidar dos nossos filhos.
*Vini Campos é ator, jornalista de formação e escritor de coração. Pai de três adolescentes, está cursando a pós-graduação "Pedagogias das Infâncias" na Universidade de Caxias do Sul e é colunista do site Mariana Kotscho. Esta coluna tem o apoio institucional do Instituto Mpumalanga