Entrevista exclusiva de Vini Campos com Paola Carosella e Cristiano Boccolini sobre alimentação no Brasil
Vinicius Campos* Publicado em 28/04/2022, às 06h00
Parceria Institucional:
"Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome…"
Chico Buarque
Quando decidimos criar o Filhos de Todas e tratar de entender os desafios do próximo governo para proteger as nossas crianças, eu sabia que alimentação era um dos focos principais do debate. Não somente pela fome, que volta a assustar e a destruir nosso povo, mas também pela má alimentação à qual nossos filhos são expostos diariamente.
Por mais que soubesse que era um assunto profundo e cheio de nuances, confesso que terminei o bate-papo com a cozinheira e empresária Paola Carosella, e com o nutricionista e pesquisador da Fiocruz, Cristiano Boccolini, preocupado, tocado e com a sensação de que o problema é bem maior do que havia imaginado.
Para começar o papo, nosso convidado nos falou sobre o ENANI (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil) que em 2019 avaliou a alimentação em crianças menores de cinco anos e suas mães. O resultado não foi bacana. A pesquisa descobriu que 7% das nossas crianças têm sobrepeso e 3% são obesas. Mas o que achei mais chamativo é que, apesar das crianças terem sobrepeso, a maioria delas não têm todos os nutrientes que necessitam para viver com qualidade.
"Hoje a fome é gorda. Criança já não tem aquela barriga invertida dos anos 80, são gordas, mas sem os nutrientes necessários"- disse Paola.
Que loucura!
O Cristiano ainda alertou para o peso das mães. Segundo o estudo citado, mais de cinquenta por cento delas têm sobrepeso.
Outro dado alarmante mostra que um quinto das crianças não consome nenhum tipo de fruta ou verdura, e que 80% consome alimentos ultraprocessados, incluindo bebês.
Sei que quando falamos em alimento ultraprocessado o nome assusta a muitos, enquanto outros minimizam seus efeitos. Mas será que sabemos exatamente como são esses alimentos e quais as consequências ao consumi-los?
Paola explicou os três grupos de alimentos disponíveis para consumo:
Alimentos in natura: todos aqueles que foram plantados e os animais. São alimentos que não passaram por nenhum processo que os descaracterize. O arroz, por exemplo, passa por um processo de secado, mas isso não o transforma em outra coisa.
Alimentos que passaram por um processo que pode ser feito de maneira artesanal: queijo que é feito com leite, ou uma massa que foi feita com farinha, ovos e água. Ou seja, não deveríamos sentir medo desses alimentos porque são submetidos a processos sem químicos ou coisas que nos façam mal.
Ultraprocessados: são aqueles produtos que estão no supermercado e que aparecem nas propagandas como sendo práticos, saborosos, saudáveis e econômicos. São produtos que na etiqueta trazem ingredientes cujos nomes não reconhecemos. Alimentos que são produzidos, geralmente, com um só ingrediente (os restos da soja ou do milho vendidos para a exportação) e que tem grande concentração de açúcares, sódio e conservantes. A cozinheira e empresária disse que são produtos que têm muita tecnologia, que foram pensados para ter o melhor sabor, a melhor crocância, para agradar ao público e viciá-lo.
Ou seja, salgadinhos de pacote, refrigerantes, iogurtes industrializados, macarrão instantâneo, molhos de tomate prontos, bolachas recheadas, sorvetes industrializados… Uma infinidade de sabores pensados para que nossas crianças se viciem. Ora, criança viciada é um futuro adulto consumidor.
Esses alimentos, segundo Cristiano, não somente engordam nossas crianças, mas atacam o pâncreas e podem fazer com que nossos pequenos tenham diabetes, colesterol alto e hipertensão, apesar de ainda serem crianças. Sem contar que carecem dos nutrientes que precisamos para viver bem.
Mas por que as pessoas consomem esse tipo de alimento tão nocivo à saúde? Não seria mais lógico escolher os alimentos saudáveis?
Vários fatores influenciam o consumidor a comprá-los. A publicidade exaustiva, a praticidade da preparação e o preço. Fundamentalmente o preço.
Como são alimentos feitos com restos de grãos, com aquilo que não foi exportado e nem usado, acabam sendo baratos e, para piorar, o governo incentiva sua produção. Enquanto frutas e verduras pagam por volta de 22% de ICMS, os ultraprocessados pagam somente 8%. Quando você vai ao mercado e o quilo da cenoura está a R$18,00 e um macarrão instantâneo custa menos de R$1,00 , o governo está induzindo a população a alimentar suas famílias com produtos que não contribuem em nada para a saúde, pelo contrário.
Baixando o imposto se resolve o preço? - pergunto.
Parece que não, porque não somente os impostos encarecem a produção de alimentos. No Brasil, 70% do território de plantio é usado para soja, milho e produtos de exportação, sendo que os "alimentos de verdade", aqueles que vão para a panela e serão comidos por nós, humanos, só ocupam 30% do solo. Ou seja, se todo mundo quer comer cenoura, mas produzimos poucas cenouras porque não há espaço, é natural que o preço da cenoura suba muito. E isso vale para o feijão, o arroz, e todos os alimentos de verdade.
Agora pense comigo: um pai ou mãe de família que viaja duas horas para ir trabalhar, trabalha oito, outras duas para voltar, recebe um salário que não vê aumento real há bastante tempo, passa no mercado, encontra na prateleira um macarrão instantâneo que diz que tem vitaminas e é preparado em três minutos e custa muito barato. Na outra gôndola, uma cenoura, que precisa ser lavada, cortada, cozida, precisa de tempo e de cultura culinária. Precisa ser combinada com outros ingredientes. Talvez não tenha o sabor com todo o sal e o açúcar que ele gostaria, e ainda custa muitíssimo mais cara. Qual você acha que será a escolha?
Para deixar tudo mais difícil, segundo a Paola, no atual governo os incentivos à agricultura familiar foram diminuídos ou cortados, enquanto os subsídios ao agronegócio só aumentaram e somam bilhões. "Matar as pessoas de fome é uma política pública" - ela conclui mostrando a indignação que nos invade a todos.
Paola fala sobre programas que funcionavam bem no país, como o PAA, Programa de Aquisição de Alimentos (que comprava alimentos dos produtores da agricultura familiar e os distribuiam às famílias mais carentes), ou o PNAE, Programa Nacional de Alimentação Escolar (que garantia a alimentação dos 41 milhões de estudantes, sempre usando alimentos de verdade). Todos esses programas diminuíram o investimento ou desapareceram no atual governo, mostrando que a fome que o Brasil enfrenta não é consequência só da pandemia e do período de guerra, mas sim uma consequência de decisões políticas.
Forte, né?
Também me deprime.
Mas tem uma luz no fim do túnel!
Eleições. E eu perguntei à Paola e ao Cristiano: que medidas devemos cobrar dos nossos candidatos para garantir mais e melhor comida para nossas crianças?
Vou colocar aqui o que cada um deles falou, ítem por ítem, e vou explicar o que eu entendi.
Está mais do que na hora de começarmos, como sociedade, a votar em planos de governo, e não em pessoas. E assim, na hora que as pessoas chegarem no cargo para o qual foram eleitas, poderemos cobrar resultados palpáveis e exigir que o plano de governo seja cumprido.
Vamos lá! Primeiro a Paola.
Ela disse que antes de votar estará atenta nas seguintes propostas:
O Cristiano chamou a atenção para outros pontos importantes:
Depois da conversa, eu decidi que, além de todas essas medidas acima que os convidados escolheram, também ficarei atento a:
Rotulagem frontal - uma lei que obriga o fabricante a colocar numa etiqueta, na frente do produto, o real conteúdo daquele pacote. Dizendo inclusive quanto açúcar, sódio e gordura eles têm. Especificando se a quantidade é saudável ou não. Segundo o Cristiano, a lei já está em uso no Chile e tem conquistado bons resultados.
Quando a conversa estava terminando, meu coração estava cheio de esperança porque tinha encontrado duas pessoas, como eu, preocupadas com a alimentação das nossas filhas e filhos e pelos filhos de todas e todos. A Paola, que é uma mãe que admiro muito, ainda deixou um depoimento potente sobre a importância dos postos de abastecimento e das cozinhas comunitárias. Vale a pena assistir o vídeo para escutá-la no final. Há soluções simples que têm muito poder de transformação e, geralmente, elas são soluções coletivas.
Mande esta entrevista para as amigas, os amigos, os pais e mães de todas e todos. Só terá sentido se formos muitas e muitos, porque, repito, a transformação é coletiva.
Obrigado pela paciência e mês que vem te espero aqui pra gente falar sobre Educação.
*Vini Campos é ator, jornalista de formação e escritor de coração. Pai de três adolescentes, está cursando a pós-graduação "Pedagogias das Infâncias" na Universidade de Caxias do Sul e é colunista do site Mariana Kotscho. Esta coluna tem o apoio institucional do Instituto Mpumalanga