É preciso deixar de medir as outras mães pela nossa régua, para também não ser medida pela régua dos outros.
Fernanda De Luca* Publicado em 16/08/2022, às 06h00
Quando nasce um filho, nasce uma mãe! A frase óbvia não é real para todas, então sejamos realistas sem sermos reativas. Cada uma é a mãe possível dentro das suas possibilidades, seja emocional, racional ou até financeira. O que funciona pra uma não deve ser regra para outra, até porque não existe manual redigido a ser seguido.
Dentro de nossas bolhas, intelectuais ou sociais, temos de ter muito cuidado para não julgar o dom materno da outra. Afinal, cada uma cria filho como pode ou como quer e, respeitando os limites da legalidade e moralidade, claro, ninguém tem nada a ver com isso.
Tenho uma lembrança de mais de vinte anos, quando fazia uma reportagem policial numa favela na capital paulista. Não recordo o nome da comunidade ou sua localidade, apenas que era de difícil acesso. Tanto que tivemos de parar o carro da reportagem numa das entradas e fazer o percurso interno a pé por vielas estreitas. Era algum caso violento de homicídio que, a exata triste história, não me recordo em detalhes. O que nunca esqueci foi uma cena vivenciada no trajeto.
Eu e equipe com cinegrafista, operador e iluminador descemos do carro, sim as equipes eram bem completas naquela época de jornalismo. Como em quase todos os factuais que cobríamos, sempre era um alvoroço e um acontecimento a chegada da reportagem. Éramos de um jornal televisivo de grande audiência e não foi diferente a receptividade local. Subindo pelas ruazinhas de terra, abertas sem planejamento e saneamento, uma pequena multidão barulhenta acompanhava ao lado. A maioria crianças, meninas e meninos empolgados que se aproximavam com informações sobre o caso em questão ou o melhor caminho a ser percorrido para chegar ao fato: “Tia, vem por aqui que eu te levo”; “Olha, tia, eu conhecia a vítima”; “Dona repórter, você pode me entrevistar?”; “Será que eu posso aparecer na TV?” e tantas outras efusivas intervenções.
No meio do burburinho, um garoto mais apressado, talvez em torno de 6 ou 7 anos, na aflição de acompanhar tudo de perto, escorregou e caiu. Minha automática reação foi parar, me agachar e ajudar o menino a levantar. Estava com cotovelos e joelhos ralados, com sangue quase a escorrer. “Você tá bem? Tá doendo?”. Antes de ouvir a resposta, desponta uma mãe brava, pega o garoto pelo braço, dá-lhe um chacoalhão e diz: “Falei moleque pra não correr, quem mandou não me obedecer, vai ver o que vai te acontecer”. Sentindo o tom exagerado, decidi intervir quase autoritária: “Coitado, ele caiu, não precisa ficar brava!”. O problema é que eu invadi um espaço que não era meu, julguei a forma que aquela mãe corrigia o filho e me achei no direito de repreendê-la. Eu, que passaria apenas algumas horas por lá, não conhecia o histórico de vida, de criação e até do dia que aquela mulher estava tendo até nos encontrarmos de supetão.
Ela olhou nos meus olhos, puxou o garoto com vigor e me disse: “O filho é meu e eu crio como quero”. Verdade! Quem era eu pra saber o certo ou errado naquele momento, o que eu sabia daquela mãe que devia passar por tantas necessidades que eu nunca talvez tenha vivenciado. Pior, me culpei pela situação constrangedora que talvez fosse menos relevante sem minha intromissão. Eu, que nem mãe era na época, me senti muito mal com o episódio. Hoje, mãe de três, tento a cada dia ser uma pessoa mais leve e menos julgadora. Das escolhas e necessidades, cada mãe sabe das suas e ponto. Não é fácil evitar a tentação de palpitar na vida materna alheia, mas o exercício é necessário.
Cada mãe é única, já diz o ditado! Então, porque teimamos em querer escrever com a nossa letra um manual padrão de “Como ser uma Boa Mãe”? Não existe, não serviria e não é justo. Seja a melhor mãe que você pode ser para criar seus filhos para que eles sejam melhores do que nós, sem regulação e nem comparação. De mãe para mãe, desculpa e obrigada!
*Fernanda de Luca, 54, é jornalista praticante há 32 anos e contando! É mãe do Igor (21), Georgia e Isadora (gêmeas diferentes, 16) e casada com o Grego. Foi repórter na Record TV e no Papo de Mãe, na TV Brasil.