Como a lógica mercantil está moldando a infância e promovendo um comprometimento do futuro das crianças, criando uma geração de indivíduos desconectados
Yolanda Basilio* Publicado em 30/03/2025, às 06h00
Observar algumas escolas adotando um discurso tão impregnado de lógica mercantil, é preocupante e desolador. Penso que, ao invés de cultivarem mentes curiosas e corações compassivos, muitas instituições estão, inadvertidamente, transformando crianças em meros "produtos", em "ativos" a serem otimizados para um futuro de sucesso material.
O discurso mercadológico e capitalista de algumas instituições de ensino, ao meu ver, sufoca a essência da infância sob o peso de expectativas irreais e uma visão distorcida do que realmente importa. Como especialista na primeira infância, sei que essa fase da vida é um terreno fértil para a construção de alicerces sólidos: autonomia, empatia, resiliência. Ao invés disso, vejo a semente da ansiedade sendo plantada cedo, regada com a água amarga da competição desenfreada.
Acredito que precisamos urgentemente resgatar a verdadeira vocação da escola: ser um espaço de acolhimento, de estímulo à criatividade, de celebração da diversidade. Precisamos de educadores que sejam jardineiros de almas, e não gerentes de desempenho.
Parece-me, dentro deste cenário para o qual me debrucei neste conteúdo, que estamos construindo uma geração de indivíduos paradoxais: frágeis em sua autonomia pessoal, mas sobrecarregados por expectativas de desempenho externo. E isso, a longo prazo, pode cobrar um preço altíssimo.
Imagine o futuro cidadão que emerge desse modelo. Um indivíduo que, talvez, tenha acumulado títulos e diplomas, mas que carece da capacidade de tomar decisões simples por si mesmo. Alguém que foi treinado para competir, mas não para colaborar, para exigir, mas não para doar.
O que acontece com a capacidade de inovar, de criar soluções originais, quando a infância é esvaziada de tempo livre para explorar, para brincar, para simplesmente ser? O que acontece com a saúde mental, quando a pressão por resultados começa a moldar as mentes em tenra idade?
Temo que estejamos criando uma sociedade de indivíduos desconectados de si mesmos, e uns dos outros. Cidadãos que, talvez, alcancem o sucesso material, mas que encontrem um vazio profundo em seus corações. Pois, no fim das contas, a verdadeira riqueza da vida reside na capacidade de amar, de se conectar, de encontrar significado nas pequenas coisas, e não apenas no acúmulo de bens ou na busca incessante por validação externa.
Mas como garantir um caminho minimamente seguro para elas diante desta realidade? Acredito que a verdadeira proteção reside em fortalecer as crianças, não em isolá-las. A vida, em sua essência, é feita de desafios e aprendizados. Querer poupar os pequenos de todo e qualquer contato com a realidade é, no fundo, negar-lhes a oportunidade de desenvolverem a resiliência, a capacidade de se adaptar e de superar obstáculos.
Não defendo, de forma alguma, expor as crianças a situações de violência ou sofrimento desnecessário. Mas acredito que podemos protegê-las sem retirar-lhes o chão sob os pés. Como fazer isso? Através do diálogo aberto, da escuta atenta, do acolhimento das emoções. Ao invés de esconder o mundo, podemos ajudar as crianças a compreendê-lo, a questioná-lo, a desenvolver um senso crítico e a construir valores sólidos.
Acredito que a educação para a vida, aquela que verdadeiramente prepara para os desafios do futuro, se faz no presente, no dia a dia, nas pequenas interações. É no contato com a diversidade, com as diferentes realidades, que as crianças aprendem a ser empáticas, a respeitar as diferenças, a construir um mundo mais justo e humano.
Situações envolvendo o "apartheid escolar" que temos testemunhado em casos recentes no Brasil e no Mundo, essa segregação velada que se infiltra nas instituições de elite, é um reflexo de preconceitos e desigualdades que, infelizmente, encontram eco em muitos lares. É ali, na intimidade do convívio familiar, que as primeiras sementes do respeito ou do preconceito são plantadas.
Portanto, a construção de pactos de diversidade e inclusão deve começar dentro de casa. É preciso que os pais, desde cedo, eduquem seus filhos para valorizar as diferenças, para enxergar a beleza na pluralidade humana. É preciso que as famílias se tornem espaços de diálogo aberto, onde as crianças se sintam seguras para expressar suas dúvidas e seus receios em relação ao diferente.
Mas não basta apenas falar. É preciso agir. É preciso que os pais sejam exemplos de respeito e tolerância em suas próprias relações, em suas escolhas e em suas atitudes. É preciso que as famílias se envolvam em iniciativas que promovam a inclusão, que valorizem a cultura e a história dos grupos minoritários, que combatam o racismo, o sexismo, a homofobia e todas as formas de discriminação.
A escola, por sua vez, tem um papel fundamental nesse processo. Ela deve ser um espaço de acolhimento e de celebração da diversidade, onde todas as crianças se sintam valorizadas e respeitadas em sua individualidade. Mas a escola não pode agir sozinha. É preciso que haja uma parceria sólida com as famílias, um compromisso mútuo de construir um mundo mais justo e humano para todos.
Futuros CEOs precoces? Não há erro neste subtítulo. Ele é uma provocação e uma reflexão ao que realmente importa para o futuro desta criança em idade escolar. Essa mentalidade "CEO" na educação e criação dos filhos é uma tendência que me preocupa profundamente. Imagina só: pais que enxergam seus filhos como "projetos" a serem otimizados, como "startups" em busca de sucesso no mercado da vida.
O que acontece quando o individualismo e a mentalidade capitalista se infiltram na educação? A criança se torna um pequeno competidor, um indivíduo isolado em sua busca por resultados e reconhecimento. O valor reside no desempenho, na produtividade, no acúmulo de bens materiais.
Mas onde fica a alegria da brincadeira? Onde se perde a beleza da troca, da partilha, do cuidado mútuo? Crianças criadas sob essa lógica podem se tornar adultos solitários, obcecados por sucesso e poder, incapazes de construir relacionamentos autênticos e duradouros.
E o que dizer da capacidade de colaborar, de trabalhar em equipe, de construir um mundo melhor juntos? O individualismo exacerbado impede o florescimento da empatia, da solidariedade e da consciência social.
Diante disso, trouxe aqui algumas contribuições pontuais para reflexões que podem ser feitas em família:
A vida é tecida em coletivo: Nossas ações reverberam impactando o todo. Ensinar a cooperação, a empatia, o senso de comunidade, é deixar o mundo mais humano. Que as crianças compreendam que o sucesso genuíno se encontra na soma de esforços, na construção conjunta de um bem maior.
O futuro se constrói no presente: Educar é plantar sementes que germinarão em um futuro que se inicia agora. Não adiem para amanhã a construção de valores como respeito, solidariedade e responsabilidade social.
A solidão é um fardo pesado: O individualismo, o culto ao "eu", nos isola. Mas a verdadeira força reside na conexão, na troca, no apoio mútuo. Incentivem a criação de laços genuínos, de amizades que floresçam na diversidade, de relações que nutram a alma.
A diversidade é um tesouro: Quebrar barreiras, desconstruir preconceitos, celebrar as diferenças: eis o caminho para um mundo mais rico e harmonioso. Que as crianças compreendam que a pluralidade é a essência da vida, e que cada indivíduo, em sua singularidade, contribui para a beleza do todo.
Exemplo é a maior forma de educação: As crianças aprendem mais com o que vêem do que com o que ouvem. Que os pais sejam espelhos de valores como honestidade, compaixão e respeito.
*Yolanda Basilio é psicóloga, psicomotricista e consultora parental. Atua com Educação Infantil há 15 anos e hoje está como CEO da POPPINS, um ecossistema todo dedicado aos cuidados da Primeira Infância.