Entrevista com Denise Carreira, da Ação Educativa, associação que atua na educação e cultura, na perspectiva dos direitos humanos
Raphael Preto Pereira* Publicado em 07/03/2023, às 06h00
Com um grande desafio na pauta da educação, que passa pelo processo de recuperação das aprendizagens na pandemia, além da recomposição do orçamento das instituições federais de ensino, o governo também precisa enfrentar um debate muito forte na chamada “ pauta de costumes”.
Assuntos como “Escola sem partido” e “ideologia de gênero”, apesar de não terem relação direta com temas pedagógicos, vêm ganhando cada vez mais espaço em discussões ligadas à educação.
A agenda conservadora permanece viva na composição do congresso. Em entrevista ao site Mariana Kotscho, a coordenadora da Ação Educativa, Denise Carreira, explica como ela acredita que deva ser a relação do governo com a pauta conservadora na educação.
1 - Como foram esses quatro anos de governo Bolsonaro para a articulação de políticas públicas de educação durante o governo Bolsonaro?
Denise Carreira: Foram anos muito difíceis, de desconstrução da educação enquanto um direito. Um movimento ultraconservador, que se juntou com um movimento ultraliberal de cortes de recursos e com a vigência do corte de gastos, que sufocou o financiamento educacional. Além disso, o governo Bolsonaro esvaziou o Plano Nacional de Educação e outros instrumentos de planejamento de médio e longo prazo.
Também interrompeu programas de redução de desigualdade e extinguiu a secretaria de diversidade. Teve desconstrução, mas também teve a tentativa da imposição de um projeto nacional, comprometido com a obediência a uma ordem extremamente desigual.
2 - O que você destacaria nesse projeto Educacional?
Denise Carreira: Três eixos destes eixos : o esvaziamento do plano nacional de educação e a interrupção de programas de redução de desigualdade, além do sufocamento do financiamento da educação, com destaque para o papel do teto de gastos.
E a promoção de propostas com viés autoritário e ultraconservador. Como o discurso da ideologia de gênero, militarização das escolas e a educação domiciliar. E o movimento escola sem partido, que se conformou em um movimento com incidência política no congresso nacional e nas câmaras municipais.
Também houve um avanço da militarização da estrutura do Estado, sobretudo na educação, com as escolas militarizadas. E houve um movimento muito capilarizado nas fakenews, desinformação e promoção do pânico moral.
3 - Vocês produziram um manual para ajudar os professores a se protegerem desses movimentos conservadores, como o escola sem partido. E durante a transição do governo Lula vocês produziram uma carta, juntamente com o fundo Malala e outras organizações, não é?
Denise Carreira: A nossa atuação é dentro desse fenômeno, que é transnacional, complexo e mutante, ou seja, tem uma capacidade de se renovar e gerar novas pautas.
A gente iniciou essa articulação no início dos anos 2000, no contexto da concordata Brasil/Vaticano entre 2007 e 2009, e o Brasil entrou neste processo. Neste contexto, começou a surgir uma aliança que foi sendo abraçada por setores reacionários católicos e evangélicos, que logo depois vão abraçar o discurso da ideologia de gênero, que foi criado nos anos 90 pela igreja católica conservadora.
Foram esses setores que atuaram contra o programa Brasil sem homofobia, por exemplo. É importante dizer que esses movimentos não atacavam a política educacional somente, mas a democracia e os programas de redução da desigualdade.
4 - Esse cenário, de ataque ao plano nacional de educação e de cerco ao programa Brasil sem Homofobia, aconteceu num contexto um pouco parecido com o que temos hoje, um executivo um pouco mais progressista e um legislativo mais conservador, não é?
Denise Carreira: É um quadro que tem muitas diferenças, esses quatro anos revelaram onde eles podem chegar, agora está nítido que, ao abrir espaço para a extrema-direita, a gente abre espaço para ataques ao Estado Democrático de Direito. A nossa expectativa é a de recomposição do financiamento educacional e da volta da participação popular.
A sociedade civil foi importante para esse processo de resistência à extrema direita.