As comunidades amazônicas já convivem com os efeitos das mudanças climáticas e é essencial que sejam ouvidas na COP 30
Lia Jamra* Publicado em 28/10/2025, às 06h00

Belém será sede da COP 30 em novembro, destacando a Amazônia no debate global sobre mudanças climáticas, mas há preocupações sobre a inclusão das vozes das comunidades tradicionais e da juventude local, que enfrentam diretamente os efeitos da crise climática.
Jovens da região relatam mudanças drásticas em seus ambientes, como secas e alterações nos ciclos de pesca, e enfatizam a necessidade de serem ouvidos para que suas experiências e soluções sejam consideradas nas discussões internacionais.
A conferência representa uma oportunidade para o Brasil demonstrar que desenvolvimento e justiça socioambiental podem coexistir, mas é crucial que as vozes amazônicas sejam integradas nas negociações para evitar decisões que não reflitam as realidades locais.
Em novembro, Belém sediará a COP 30, conferência global sobre mudanças climáticas que colocará a Amazônia no centro do debate internacional. Pela primeira vez, a floresta será palco de um encontro dessa magnitude, e o mundo inteiro voltará seus olhos para ela. Mas uma pergunta é inevitável: onde estarão as vozes das comunidades tradicionais e da juventude amazônida, aquelas que convivem e sentem diariamente os efeitos da crise climática?
O futuro da floresta e, consequentemente, do planeta está sendo moldado agora. Crianças e jovens da região já presenciam mudanças que afetam diretamente suas vidas: rios que secam, alterações nos ciclos de pesca, chuvas irregulares, calor cada vez mais intenso. Sentem na pele a degradação e, ao mesmo tempo, sonham com um amanhã em que suas comunidades prosperem em equilíbrio com a natureza. Se queremos enfrentar a emergência climática de forma justa e duradoura, precisamos ouvi-los.
É urgente reconhecer que o acesso à leitura, à educação e ao fortalecimento cultural pode ser ponto de partida para garantir esse protagonismo. Nos livros, nas rodas de histórias e nas narrativas compartilhadas, crianças e jovens se conectam a saberes ancestrais e refletem sobre os desafios ambientais de hoje. O escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo, autor de "A terra dá, a terra quer", lembra que valorizar práticas culturais e conhecimentos ancestrais é também resistir e afirmar território. Essa é uma lição que o mundo precisa ouvir.
Os sinais de mobilização já estão aí. Jovens amazônidas têm produzido manifestos, construído encontros interculturais, compartilhado visões de pertencimento e futuro. A cada roda de conversa, a cada debate local, nasce uma agenda de luta que não pode ser ignorada na mesa de negociação internacional. Essas vozes carregam experiências concretas: sabem o que significa perder um rio, lidar com a escassez do peixe, ver o calor romper rotinas de trabalho e estudo. São testemunhas da crise climática e, ao mesmo tempo, possuem um repertório de soluções.
Essas iniciativas revelam uma contradição que insiste em se repetir: enquanto a floresta é citada em discursos globais, seus povos continuam sendo silenciados. O mundo olha para a Amazônia, mas raramente se pergunta o que ela, e quem nela vive, tem a dizer. Inverter essa lógica é mais do que necessário: é uma questão de sobrevivência.
Parte das respostas para a crise climática já está presente no cotidiano dessas comunidades. Da agricultura comunitária ao manejo florestal, dos saberes ancestrais às práticas culturais, a Amazônia é um celeiro de conhecimentos que poderiam orientar estratégias globais de enfrentamento da emergência climática. Reconhecer esse patrimônio imaterial não é apenas justo; é estratégico.
Nesse processo, a literatura cumpre papel fundamental. Ao estimular imaginação, consciência crítica e senso de pertencimento, cria-se espaço para que crianças e jovens expressem suas percepções e proponham soluções coletivas. É nesse encontro entre palavra, território e natureza que germina a possibilidade de uma ação climática realmente duradoura.
A COP30 representa uma oportunidade histórica para o Brasil mostrar ao mundo que desenvolvimento e justiça socioambiental podem caminhar juntos. Mas, para isso, é indispensável incluir as vozes da floresta. Escutá-las não é gesto de cortesia; é condição para que qualquer acordo faça sentido. Sem essa escuta, repetiremos velhos erros: decidir sobre a Amazônia sem os amazônidas.
Minha convicção é clara: precisamos investir em leitura, educação e participação ativa para que comunidades amazônicas tenham espaço e ferramentas para se tornarem protagonistas. Se quisermos uma conferência capaz de apontar soluções reais, precisamos ampliar o espaço da escuta. Sem a voz dos jovens da Amazônia, a COP30 estará, inevitavelmente, incompleta.
O futuro do planeta depende da floresta de pé. E a floresta só permanecerá viva se aqueles que a habitam forem, enfim, ouvidos. Afinal, quem melhor para falar sobre o amanhã da Amazônia do que aqueles que nela vivem, leem, sonham e resistem?
*Lia Jamra é diretora-executiva da Vaga Lume, organização que atua com Educação nos nove estados da Amazônia Legal desde 2001.
Quer incentivar este jornalismo sério e independente? Você pode patrocinar uma coluna ou o site como um todo. Entre em contato com o site clicando aqui.