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O que as crianças deixam de fazer enquanto estão conectadas às telas?

Com um país que lê cada vez menos, escolas e famílias precisam olhar com mais atenção à formação literária e ao acesso às telas

Miruna Kayano Genoino* Publicado em 14/09/2025, às 06h00

Focadas nas telas e longe de coisas importantes - pexels
Focadas nas telas e longe de coisas importantes - pexels

Um debate bastante presente na atualidade é como lidar com o espaço dos meios digitais na formação das crianças e jovens, o que tem levantado inúmeras e importantes propostas, convocando ao necessário processo de conscientização e reflexão de famílias e escolas. O que muitas vezes não parece ganhar o mesmo espaço de discussão é: será que não estamos olhando demais para os meios digitais, e de menos para o que está sendo deixado de lado, quando crianças e jovens estão permeados por telas? Por que estão tão interessados em usar seu tempo para mergulhar em vídeos e conteúdos digitais? O que podem fazer para ocupar seu tempo de uma forma diferente?

Acompanhando crianças dos anos iniciais do ensino fundamental por quase 20 anos noto uma mudança significativa nos interesses que têm permeado a infância, de muitas maneiras, mas algo que chama muito a atenção de quem está na educação é o crescente distanciamento que alunas e alunos têm mostrado quanto à leitura literária em contexto extra-escolar. Mesmo em escolas nas quais existe um currículo literário estruturado, na qual a leitura compartilhada está presente de forma frequente, e onde percebe-se um envolvimento das turmas com o momento de leitura, parece ter se tornado um desafio que as crianças leiam sem o acompanhamento docente.

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Muitos aspectos precisam ser considerados para analisar a fundo estas mudanças, e a escola deve seguir refletindo em como seguir incorporando práticas de formação literária, mas também é essencial sublinhar a importância da atuação familiar ao detectar este distanciamento com a leitura fora da escola. Neste sentido, um comentário habitual de alunas e alunos é: “não li, não tive tempo…”

Quando surge tal menção, educadoras e educadores se perguntam: também faltou tempo para acessar as telas? Por qual motivo não consegue-se ler um livro retirado da biblioteca da escola, mas sempre há tempo para assistir um filme ou consumir um vídeo na internet? Será que é mesmo a falta de tempo a única responsável pela diminuição da leitura em nossa sociedade?

A pesquisa Retratos da Leitura 2024 destaca um dado especialmente alarmante: pela primeira vez em nosso país o número de pessoas que declaram-se não leitoras (53%) supera o número das que declaram-se leitoras (47%). Além disso, o estudo mostra que quem segue considerando-se como leitores e leitoras, atribui ter recebido importantes ajudas e estímulos na escola e na família para escolher o que ler e seguir lendo. Aqui no espaço ekoa conseguimos perceber muito a materialização deste dado, da importância do acompanhamento contínuo, pois vemos o quanto crianças que possuem o hábito de leitura instituído na família, trazem conhecimentos muito variados não só para as nossas rodas de biblioteca e demais situações de leitura, mas para sua relação com a Língua Portuguesa e as práticas de linguagem como um todo. A criança que lê habitualmente em casa, com seus familiares, é uma criança que valoriza as culturas do escrito e que envolve-se ainda mais em desvendar e mergulhar nos muitos significados que um texto apresenta.

Tudo isso reforça a necessidade de que não só a escola assuma este compromisso em acompanhar a formação leitora, mas também as famílias. Claro que este é um processo que deve ser integrado e compartilhado, por isso é fundamental investir na interlocução escola/famílias, planejando conjuntamente boas ações que podem ser feitas nos diferentes espaços para incentivar a formação de leitoras e leitores.

Voltando ao ponto onde iniciamos… a discussão sobre o consumo de meios digitais é fundamental, intensa e necessária. Mas é preciso ser acompanhada também de igual preocupação sobre o que as crianças estão deixando de fazer. Estão desenhando? Brincando livremente? Como está o tempo livre? E, ao que aqui destacamos, é preciso avaliar como e de que forma estamos ajudando as crianças a se conectar à literatura, em todas as suas muitas possibilidades.  

*Miruna Kayano Genoino é mestre em escrita e alfabetização pela Universidade Federal de La Plata, pedagoga e orientadora pedagógica do espaço ekoa, escola de educação integral em São Paulo.