Reencontro de Catelo Ra-tim-bum foi patrocinado por marca de bolachas. Publicidade criativa ou velada? Para crianças ou adultos?
Raphael Preto Pereira* Publicado em 06/03/2023, às 06h00
A Oreo, como você sabe, é uma marca de biscoito. Guloseima industrializada que 11 entre 10 nutricionistas, se perguntados, devem afirmar que faz mal. É verdade. Duvido que haja algum componente nesse petisco, voltado para crianças, mas saboreado por adultos dotados de paladar excessivamente infantil.
Esse produto patrocinou o reencontro do elenco do Castelo Ra-tim-bum, uma série infantil famosa, que formou o caráter de muitas crianças dos anos 90 e 2000. Eu estou entre elas.
Além de um aviso de “apoio” com o logo da marca nas entradas para os intervalos comerciais e o cenário com um tom um pouco exagerado de azul, cor que também remete à idade visual do produto, havia muita pouca coisa que pudesse associar a marca ao evento.
Apenas um olhar muito crítico quase que “procurando defeito”, próprio de alguém que procura algo que possa destacar em um texto de análise, é que percebe, na televisão, que se trata de um “conteúdo de marca”. Em inglês, “branding content”.
Publicitários adoram dizer que a crise significa “oportunidade” de criação. Quando cobram (caro) por palestras, repetem esse mantra. Caso sejam professores de universidades (cursos renomados de comunicação podem custar o preço de uma graduação em medicina), também insistem em falar que o que vai, de fato, qualificar o profissional e torná-lo diferente é a criatividade.
O conceito sobre o que pode ou não ser objeto da publicidade muda com o tempo e não se trata exclusivamente de uma decisão dos criadores. Vejamos o exemplo do cigarro:
O tabagismo perdeu o status que possuía nos grupos sociais. É claro que a limitação de publicidade contribuiu para isso, mas junto com ela vieram a restrição ao fumo em locais públicos e a proliferação de áreas exclusivas para fumantes em espaços privados.
A proibição das propagandas foi apenas um dos fatores que levou ao progressivo “apagamento do cigarro”, com o perdão do trocadilho.
A gritaria da indústria da propaganda não se deu por “ataque à criatividade”: aconteceu única e exclusivamente pelo fato de fabricantes de cigarro serem os maiores anunciantes da TV naquela época.
A mesma gritaria aconteceu com a publicidade para crianças. O argumento central: foi pelo veto aos comerciais que as emissoras acabaram com as faixas de horário dedicadas à programação infantil.
Não é verdade.
O SBT conseguiu retomar sua teledramaturgia a partir das produções infantis e, de quebra, amealhou para essas produções uma audiência adulta. Além disso, o sucesso comercial da empreitada também explica a quantidade enorme de capítulos das novelas infantis.
A produção do reencontro do Castelo Ra-tim-bum, a partir do apoio de uma marca, mostra que, de fato, o que falta é criatividade.
(texto retirado do site do Instituto Alana)
A publicidade infantil já é proibida pela legislação brasileira. Apesar disso, no início de 2020, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) propôs um novo texto para regulamentá-la. Submetida à consulta pública, a proposta ignora que já existem regras que garantem a proteção da criança frente à interesses comerciais.
Por exemplo, o artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelecem os interesses da criança como prioridade absoluta no país. Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Legal da Primeira Infância e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), determinam abusiva e ilegal qualquer tipo de comunicação mercadológica direcionada ao público infantil.
Para saber mais, acesse o site do Instituto Alana
*Raphael Preto Pereira é jornalista