A principal tarefa do adulto diante das novas situações vivenciadas pelas crianças é respeitar o direito de sentir, valorizar o emocional
Ana Paula Yazbek* Publicado em 10/04/2023, às 14h08
A volta às aulas trouxe desafios não apenas em relação às estratégias para enfrentar o déficit de aprendizagem no pós-pandemia, mas também para a ressocialização. Além da quebra de rotina, idas e vindas do isolamento e mudança de hábitos, muitas famílias foram impactadas por perdas e lutos. Portanto, esse retorno é um momento de reforçar o papel fundamental da escola no acolhimento emocional das crianças.
Sabemos que as habilidades socioemocionais estão sendo cada vez mais valorizadas ao lado das habilidades cognitivas. Isso porque elas possibilitam o desenvolvimento de resiliência, equilíbrio, empatia e muitas outras características necessárias para viver os novos paradigmas sociais. Essas habilidades trazem a capacidade de reconhecer, articular e colocar em prática conhecimentos para se relacionar consigo e com os outros, bem como enfrentar situações adversas de modo construtivo. E a escola, como espaço essencial de convivência da criança, precisa estar preparada para oferecer experiências potentes de aprendizado desde o primeiro contato.
Basta pensar em uma criança que está ingressando na escola: ela ainda não possui repertório para lidar com aquilo que irá vivenciar. Esse processo produz emoções que ainda não têm nome, já que fogem de seu imaginário incipiente. Mesmo que famílias conversem sobre o que é a escola e busque antecipar como será, não significa que a realidade vai corresponder ao mundo das ideias.
Para crianças que se afastaram da escola durante a pandemia e estão retornando à normalidade, também pode haver desencontro de expectativas. Seja por conta da quantidade de estímulos, da separação da família ou por atrasos na linguagem que não eram perceptíveis em casa, mas passam a ficar evidentes diante da necessidade de interação e comunicação das demandas pessoais para um grupo de pessoas ainda desconhecidas.
Costumo pensar nos motivos que levam uma criança se encantar com uma escola no processo de escolha. Pode ser que ela tenha gostado do parquinho. E pode ser que, quando entra na escola, por diversos motivos, não consegue desfrutar daquele espaço como gostaria. Qual será a sensação? Como ela irá comunicar aquele desconforto se ainda não houver capacidade de elaboração? Ou seja, a escola não é uma instituição geradora de bem-estar incondicional, pelo contrário, é local de estranhamento, de sinalização de ansiedades, angústias, receios, euforias e de todas as emoções que as crianças têm direito de sentir.
Os adultos precisam compreender esse direito. Cada criança, em sua singularidade, tem uma maneira e um tempo para se adaptar e comunicar seus desconfortos, por isso, também é importante que as famílias evitem comparações entre colegas. Enquanto uma criança sinaliza em dois dias que está integrada, outras demoram mais. Mas pode acontecer de crianças que se adaptaram rapidamente demonstrarem insatisfação em algum momento, já que não se trata de um processo linear.
Mesmo que ainda não exista o recurso verbal, as crianças demonstram seus descontentamentos de diversas maneiras. Pode ser que ela fique enfurecida diante de uma recusa. Pode ser que ela fique em pé enquanto todos se sentam para ler um livro. E pode ser que ela chore. Em cada situação, é preciso avaliar o quanto é possível suportar aquele momento ou o quanto isso produzirá um sofrimento. Esse processo é saudável, pois não se trata do tipo de sofrimento que produz traumas, mas de uma conexão com os sentimentos e com o tempo de sentir. Para educadores e educadoras, o mais importante é estabelecer a marcação “estamos nos conhecendo e eu respeito como você se sente”.
Na Educação Infantil, as repetições ao longo dos dias ajudam no acolhimento e na regulação emocional, proporcionando segurança. Aos poucos, os pequenos vão entendendo que existe um espaço chamado “roda”, em que todos se sentam em um determinado horário do dia, balançam as mãos e cantam. Ou passam a fazer associações de temporalidade, como o momento em que a família chega para buscar, logo após as refeições. Logo, um repertório de experiências passa a ser construído.
Nesse processo, o vínculo e o cuidado são essenciais. Isso significa que mais importa uma aproximação gentil, a convivência lúdica e a presença, do que cumprir um planejamento de atividades ao longo do ano letivo. O objetivo é que a criança se localize e se sinta pertencente. Afinal, a conexão entre as crianças e seus cuidadores, tão fundamental para o pleno desenvolvimento, é a base que orienta como pessoas irão se relacionar ao longo da vida.
Para que as práticas da Educação Infantil sejam aprimoradas e seus profissionais valorizados, é preciso conhecer e respeitar o potencial da criança nesses primeiros anos de vida. É preciso entender que se trata de um momento-chave da constituição subjetiva do ser humano, que o agir no corpo, necessariamente, impacta a mente, e vice-versa. É nessa fase em que são construídos os alicerces da vida social, afetiva e cognitiva, e a escola é um ator central para incentivar o cuidado de si e dos outros ao redor.
*Ana Paula Yazbek é mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em educação de crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades, e diretora do Espaço ekoa, em São Paulo