Novas Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento de TEA

Novo documento da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) prioriza intervenções com respaldo científico para o diagnóstico e tratamento de TEA

Dr. Ivar Brandi* Publicado em 07/11/2025, às 06h00

Dr. Ivar Brandi, médico neurologista - Foto: Assessoria

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Segundo o Censo Demográfico de 2022, há 2,4 milhões de brasileiros vivendo com autismo, a maior parte crianças e adolescentes. Em setembro de 2025, a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) publicou um novo documento com recomendações para o diagnóstico e a assistência a essas crianças e adolescentes.

O documento “Recomendações e Orientações para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista” é um marco importante para a padronização das práticas clínicas em autismo no Brasil. Ao priorizar intervenções com respaldo científico e desestimular condutas de eficácia não comprovada, protege famílias contra tratamentos inócuos ou potencialmente lesivos e contra a mercantilização da assistência. A orientação para uma abordagem dinâmica e individualizada, sem receitas prontas e medicalização excessiva, é condizente com recomendações internacionais.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) constitui um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado principalmente por dificuldades na comunicação e interação social e por padrões de comportamento restritos e repetitivos. Pessoas no espectro autista apresentam risco aumentado para outras condições médicas associadas, como transtornos de aprendizagem, transtornos do sono e do humor, alterações metabólicas e diversas outras condições. O reconhecimento precoce é fundamental, permitindo intervenções terapêuticas mais eficazes e melhora do prognóstico a longo prazo.

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Orientações para diagnóstico correto

O novo documento da SBNI reforça que o diagnóstico do TEA é eminentemente clínico e utiliza os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V), baseando-se na observação direta, em entrevistas detalhadas com familiares e na análise criteriosa do histórico de desenvolvimento. Fatores que podem simular autismo, como a exposição excessiva a telas ou vulnerabilidade e privação social, devem ser criteriosamente avaliados para evitar diagnósticos equivocados.

Escalas de triagem conhecidas pelas equipes de assistência em saúde e validadas para uso no Brasil são ferramentas de apoio válidas, mas não substituem a avaliação clínica personalizada. A determinação do nível de suporte deve fazer parte do diagnóstico, mas deve ser evitada em crianças muito pequenas ou recém-diagnosticadas, pois essa necessidade pode variar com o tempo.

Investigação complementar: uso racional de recursos

Exames laboratoriais ou de imagem não são rotineiramente necessários para o diagnóstico de TEA. Podem ser úteis em casos de suspeita de outras condições associadas, como síndromes genéticas, distúrbios metabólicos, macrocefalia ou microcefalia. O exame neurológico permanece obrigatório como parte da investigação básica. Indicações para exames genéticos e de neuroimagem devem seguir critérios clínicos específicos; não se recomenda a realização de estudos genéticos de forma generalizada. A abordagem propedêutica complementar deve ser sempre individualizada e não substitui a avaliação médica contínua e criteriosa.

Tratamento: evidências e práticas recomendadas

A principal recomendação é iniciar terapias baseadas em evidências de modo precoce e integrado, em abordagem interdisciplinar. O documento da SBNI menciona sobretudo a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e outras 28 práticas. A carga horária deve ser definida pela equipe multiprofissional de forma individualizada, evitando recomendações genéricas e judicialização. O envolvimento dos cuidadores nas intervenções é mencionado como fator fundamental para melhores desfechos.

O uso de fármacos não está indicado para os sintomas centrais do TEA, mas pode ser considerado para o manejo de comorbidades como alterações do comportamento, TDAH, epilepsia e distúrbios do sono. Neste último caso, o uso de melatonina possui os dados mais robustos de eficácia.

Cuidado com práticas não fundamentadas em evidências

O documento alerta de forma enfática contra o uso de terapias e intervenções sem comprovação científica para autismo, como dietas restritivas, suplementações alimentares variadas e intervenções biológicas (p. ex.: células-tronco, ozonioterapia, quelantes). Quanto à terapia canabinoide, muitas vezes associada a resultados espetaculares na mídia, redes sociais e no marketing farmacêutico, recomenda-se o uso apenas em casos específicos, sempre considerando a abordagem individualizada. Não há, até o momento, estudos controlados com grande número de pacientes que possam caracterizar evidência científica robusta para uso rotineiro e generalizado. Abordagens como psicanálise e equoterapia são citadas como promissoras em alguns relatos, mas também carecem de validação em larga escala.

A importância da análise de aspectos sociais

O diagnóstico e o tratamento do autismo envolvem todo o núcleo familiar e a comunidade na qual a pessoa autista está inserida. Limitar a assistência apenas a critérios técnicos é limitar também o alcance de melhores resultados terapêuticos.

Além da conduta clínica, o documento destaca a necessidade de garantir acesso a direitos, terapias, recursos legais e promoção da inclusão plena. Relatórios médicos detalhados e éticos são importantes para o alcance desses objetivos. O documento endossa o papel ativo de pais e cuidadores, considerando especialmente a realidade brasileira de escassez de profissionais especializados em muitas regiões do país.

Perspectivas futuras

Não há dúvidas de que o documento é um marco importante na assistência em autismo no Brasil. Contudo, a efetividade dessas diretrizes esbarra em desafios de implementação, especialmente fora dos grandes centros urbanos, pela limitada oferta de equipes especializadas e pelo acesso desigual à assistência em saúde.

A judicialização e a pressão por terapias diversas, muitas ainda experimentais, frequentemente motivadas pela falta de articulação entre saúde, educação e assistência social, geram disputas e oneram o sistema sem garantia de melhor cuidado, caracterizando um ponto sensível da assistência no Brasil.

Espera-se que a SBNI mantenha atuação proativa na atualização das diretrizes à medida que surgem novas evidências, mantendo o documento vivo, crítico e sensível às particularidades da realidade brasileira e às necessidades de milhões de jovens e familiares.

* Dr. Ivar Brandi é médico neurologista, com mestrado em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), pós-graduação em Neurociência e Comportamento pela PUC-RS e formação em Pesquisa Clínica pela Harvard Medical School. Atua com ênfase em cognição, comportamento e neurorreabilitação. 

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