O programa Florescer mostra que o enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres pode nascer dentro das empresas
Alline Cezarani* Publicado em 08/10/2025, às 06h00
“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. A frase de Martin Luther King nos traz uma reflexão importante, aplicável em diferentes contextos. Os efeitos da violência impactam toda a sociedade, tenha ela ocorrido onde e contra quem for. No Brasil, pelo menos 21,4 milhões de mulheres foram (ou são) vítimas de violência, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os números nos interpelam e desafiam em todos os aspectos. Como cidadã, esposa, mãe e executiva da saúde, sinto que falta ação. Trata-se de uma questão de saúde e segurança pública, mas vai além. É um desafio que está posto para todos. Empresas e instituições estão implicadas e não podem se distanciar dessa realidade. É preciso pautar o tema, propor medidas e ter uma atuação responsável, que faça jus a este cenário.
Além dos aspectos social e humano, que por si só já seriam absolutamente suficientes, há ainda inúmeros fatores que reforçam a necessidade de uma agenda de enfrentamento à violência contra as mulheres dentro das organizações. Um deles: a colaboradora que lida com esse tipo de situação tem seu desenvolvimento amplamente comprometido e isso afeta muito mais do que a produtividade. O que está em jogo é o futuro.
Mulheres em ascensão movimentam a sociedade. Estudos apontam que a redução das desigualdades de gênero está associada a melhores índices de crescimento econômico, serviços públicos de qualidade e menos corrupção. A ONU e o Banco Mundial referendam a relação entre igualdade de gênero, governança e estabilidade social. Não por acaso, as nações com melhor IDH têm menos problemas relacionados à violência de gênero.
À frente da Rede Santa Catarina, cuja missão é acolher e cuidar do ser humano em todo o ciclo da vida, tenho o privilégio de poder ampliar oportunidades. Isso passa pela responsabilidade de agir, inclusive neste ponto árido. Por isso, em 2024, lançamos o Florescer, um programa que se conecta profundamente a esses valores ao oferecer acolhimento e proteção às colaboradoras em situação de violência doméstica.
Mais do que ajudar a abrir caminhos para que possam crescer e se desenvolver com dignidade, a iniciativa nos possibilita impactar, de forma positiva, o bem-estar e a saúde física e emocional de meninas e mulheres. Assim, criamos uma grande rede de apoio para ajudá-las na superação deste momento de fragilidade e, efetivamente, contribuir para que possam reconhecer e encerrar ciclos de violência. Familiares também são atendidos.
Os resultados são promissores. Chegamos ao primeiro ano de atividades com a marca de 100 mulheres atendidas, 12 em situação de risco extremo, o que inclui tentativas de homicídio. 80% delas conseguiram romper com seus agressores. Cada uma recebeu atendimento individualizado, suporte psicológico, jurídico e social, além de estímulo para seguir em frente, com confiança e cabeça erguida.
O caminho para uma mudança estrutural é longo, não há dúvida, mas o Florescer nos dá esperança. Ele ensina que as empresas podem e devem ser agentes de transformação social. Falar em diversidade, inclusão e ESG não basta, é preciso, de fato, cuidar daquilo que é urgente: a segurança e a dignidade de suas pessoas. Isso implica em abrir espaço de escuta e garantir proteção e apoio. Quando estendemos as mãos, vidas são salvas.
A afirmação do respeito à mulher e o combate à violência de gênero deve ser pauta prioritária, assim como o compromisso com a diversidade, equidade e fortalecimento da presença feminina em cargos de liderança. Incentivo todos a buscarem sua forma de fazer a diferença. Quando encorajamos uma mulher a romper o silêncio e ir além, lançamos sementes de transformação. Façamos nossa parte para que o futuro, enfim, floresça.
*Alline Cezarani é CEO da Rede Santa Catarina
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