Especialista em neuropsicologia explica os perigos que o hábito pode criar para essa geração
Hugo Monteiro Ferreira* Publicado em 10/06/2023, às 10h00
A geração do quarto são meninas e meninos, entre 11 e 18 anos de idade, que passam mais de seis horas do dia dentro dos quartos, usam abusivamente as redes sociais digitais, têm comportamento autodestrutivo e sintomatologias psicopatológicas (depressão, transtorno de ansiedade geral, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno alimentar, síndrome do pânico, distúrbio do sono), têm enorme dificuldade de comunicação infrafamiliar, envolveram-se com bullying e/ou ciberbullying e vivenciaram experiência de violência e/ou simbólica, e/ou psicológica, e/ou física.
Ouvi 3115 crianças e adolescentes, de 5 capitais brasileiras e, dessas 3115, aprofundei meus estudos com um grupo de 238. As 238, entre outras declarações, me disseram que: “desejavam morrer”, “não viam muito sentido em continuar vivos”, “detestavam a escola”, “sentiam angústia e desespero”, “sentiam muita ansiedade”, “conversam mais pela internet com todo tipo de pessoa, conhecida ou não”, “gostavam de viver isoladas e dentro dos quartos” e que “desejavam, muitas vezes, dar fim a quem lhe trouxe sofrimento”.
A violência é uma das formas mais usadas pela humanidade quando o objetivo é a destruição da alteridade, ou seja, a eliminação daquilo que é diferente, que não é espelho, que não se assemelha. A violência é, nesse sentido, muito ampla, plural, em termos semânticos e morfológicos, diversa na sua materialização, porém uníssona quanto aos objetivos de sua existência: a erradicação do que incomoda, do que não é biunívoco. A geração do quarto é construída sob a lógica uma lógica demasiadamente violenta: sua matriz é a produção de pessoas que se veem envoltas e são envolvidas em tramas cuja base de sustentação é a opressão, física, psicológica e simbólica.
A saúde mental desses meninos e dessas meninas não resiste à avalanche de descuido, de descaso, de negligência, de indiferença, de descompromisso para com eles e elas. A expressão mais comum, usada pelas crianças e adolescentes ouvidas/os por mim, foi “...eles não me ouvem, ninguém me escuta, eu não tenho tanta importância...”. Essa frase pode ser interpretada por: pais sobrecarregados, queixosos, indiferentes, inaptos, com muita dificuldade de estabelecer limites; escolas tradicionais, hierárquicas, voltadas para desempenhos, pouco cuidadosas; Estado negligente, violento, preconceituoso.
Por óbvio que no parágrafo anterior, estamos argumentando propositalmente com um viés generalista, uma vez que reconhecemos não ser todos os pais, todas as escolas e todos os Estado assim enquadrados, entretanto, há, sem dúvidas, elementos ponderáveis na geração do quarto os quais deflagram que sua emergência é uma produção da maneira como nós, adultos e adultas, temos agido com/para crianças e adolescentes. De algum modo, o adoecimento mental desse público nos adverte para o erro de nossos processos educativos. Algo que estamos fazendo não deu certo. Não funcionou. Temos de mudar.
A mudança, proponho, pode começar a partir de cinco grandes temas: (i) cuidado/autocuidado; (ii) autoconhecimento; (iii) convivência; (iv) dialogicidade e (v) amorosidade. No Capítulo 11 do meu livro A geração do quarto: quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar (Editora Record, 2022), explico como penso que essas temáticas podem ser transformadas em propostas pedagógicas cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida de meninos e meninas e de suas famílias e suas escolas. Por evidente, a despeito de minhas proposições, algo já nos salta aos olhos: a violência é o ponto de partida da doença mental dessas crianças e adolescentes. O cuidado, a esperança de que podemos reverter tal situação. Oxalá, consigamos...
*Hugo Monteiro Ferreira é pós-doutor em Estudos da Criança pela Universidade do Minho (Portugal). Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Neuropsicologia e Psicologia Cognitivo-Comportamental. Graduado em Letras. Acadêmico de Psicologia. Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
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