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Dia Mundial do Refugiado: um convite a refletir sobre muros e intolerâncias

Neste dia 20 de junho, uma reflexão sobre a situação dos refugiados pelo mundo, inclusive no Brasil

Sebastião Rinaldi* Publicado em 20/06/2024, às 16h20

20 de junho é dia dos refugiados
20 de junho é dia dos refugiados

“Somos o que somos, somos o que somos, inclassificáveis, inclassificáveis”, já diria Arnaldo Antunes, em uma canção, na qual comenta sobre fenômenos tipicamente brasileiros, como os judárabes, os orientupis, os indo-ciganagôs e os guaranisseis, na definição do compositor. O Brasil é esse caldeirão de etnias, nacionalidades, sabores, aromas e culturas. Basta olhar ao redor em qualquer espaço público para identificarmos traços indígenas, africanos, europeus e asiáticos, quando não os encontramos simultaneamente em uma mesma pessoa, e nos reconhecermos nessa pororoca étnica -- e muitas vezes, nem nos damos conta desse encontro de águas.

O Brasil sempre esteve na rota migratória, voluntária ou não, de diversos países. Já recebemos europeus ibéricos, que vieram com intenções das mais questionáveis. Posteriormente, passamos a ser o destino de africanos escravizados, cuja luta para reconhecimento identitário segue ativa há décadas. Acolhemos ainda inúmeras outras nacionalidades, como italianos, espanhóis, alemães, holandeses, haitianos, venezuelanos, bolivianos, peruanos, congoleses, nigerianos, só para citar alguns.

Há pouco, São Paulo começou a abrigar homens e mulheres do Afeganistão, em diáspora devido ao regime totalitário do Talibã, que tomou o poder do país do Oriente Médio em 2021. Contudo, a vinda de pessoas em situação de migração forçada (classificada como refúgio pela legislação doméstica ou não) para o Brasil não é de agora. O mesmo cenário foi percebido há cerca de 10 anos, intensificando-se em 2017, com a chegada de sírios, em fuga da guerra que assola o país há mais de uma década. Provavelmente, quem pega a linha azul do metrô de São Paulo já cruzou a estação Armênia, país vítima de genocídio durante a I Guerra Mundial.  

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O Dia Mundial do Refugiado, celebrado em 20 de junho, é uma data instituída pela Organização das Nações Unidas, que possui agências especializadas no tema como a OIM e o ACNUR. Sua criação se deu em 2001 com o objetivo de trazer mais luz ao tema e acolhimento para pessoas que se veem obrigadas a deixarem seus países – e seus lares, histórias, escolas, empregos e familiares – por motivos como guerras, questões religiosas, perseguições políticas, étnicas ou motivadas por identidade de gênero ou orientação sexual.

De acordo com o ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), atualmente, 117 milhões de indivíduos, mundialmente, se encontram nesse perfil. Ou seja, é o equivalente a mais da metade da população brasileira submetida à extrema vulnerabilidade por motivos arbitrários, para dizer o mínimo. Os números, compilados até dezembro de 2023, retratam ainda um aumento de 8% ante o mesmo recorte de 2022.  

Ao ver dados tão preocupantes, fico me questionando sobre onde vamos chegar – há nitidamente um colapso mundial que eleva o número de solicitantes de refúgio. Publicada em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara em diversos artigos: “toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país; toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de se beneficiar de asilo em outros países; todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade; toda a pessoa tem direito à educação; todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direito”.

O Dia Mundial do Refugiado é um convite a refletirmos sobre questões interconectadas: se estamos sendo acolhedores enquanto indivíduos e enquanto País; o que estamos fazendo com o planeta (considerando que, atualmente, existem diversas categorias de refugiados, inclusive os climáticos); e para onde estamos indo enquanto humanidade. Há uma frase célebre do Nobel da Paz, Elie Wiesel, que enxergo como um mantra para o humanitarismo: “nenhum ser humano é ilegal”. Vejo que o acolhimento começa na escolha do vocabulário e na postura que adotamos quando nos deparamos com essas situações, por vezes espinhosas, porém reais.  

Migrar é um movimento humano há milênios e precisa ser um direito assegurado, isto é, devemos ser livres para nos mover quando quisermos. Entretanto, a migração forçada, de pessoas que são vítimas de decisões autoritárias dos detentores do poder, é causada por conjunturas, no mínimo, imorais e que não devem ser relativizadas. A pluralidade brasileira teria ainda mais beleza se uma parte considerável dessa diversidade não viesse de situações dolorosas.

* Sebastião Rinaldi é jornalista e professor de português para migrantes no Instituto Adus