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Como nasceu a depressão e como surgiram os tratamentos, que ajudam o paciente a diminuir a ausência no trabalho

Cetamina é medicamento capaz de reduzir e eliminar pensamentos de depressão como autoextermínio e autoagressão em algumas horas após o uso

Tiago Gil Publicado em 30/07/2022, às 13h58

A depressão causa ausências no trabalho
A depressão causa ausências no trabalho

Em razão principalmente da pandemia, este ano a saúde mental dos trabalhadores ganhou prioridade no mundo corporativo. Como tratar os impactos das limitações impostas e os estragos provocados? A ciência e a pesquisa avançaram muito. E é preciso falar sobre o tema. As pessoas querem voltar a ter qualidade de vida. E empresas de todos os portes, de diversos segmentos, assim como escritórios de advocacia e clínicas, só para citar alguns negócios, precisam promover o debate.

Podemos começar falando sobre como começou a depressão – e também a depressão resistente – e os tratamentos para esses problemas.

Tudo que fazemos, dentro e fora da ciência, passa por modelos teóricos. Olhamos a realidade à nossa volta, interpretamos e tentamos explicar, por meio de um modelo construído pela nossa imaginação. Levantamos hipóteses, testamos, encontramos erros e voltamos e refazemos nosso modelo. Os modelos que melhor preveem a natureza, sobrevivem, os modelos que se mostram falhos, são substituídos. Essa é a base do método científico, pensamento, se não criado, aprimorado, pelos pensadores clássicos como René Descartes, Isaac Newton e Francis Bacon.

Com a medicina não é diferente. Criamos modelos teóricos que podem vir pela observação direta - ao microscópio – ou pela dedução de fenômenos analisados. Ao olhar um paciente com dor no fêmur, de início repentino, após uma queda de motocicleta, deduzimos ser fratura e a observação direta da fratura pelos raios-x comprovam a hipótese e é instituído o tratamento.

E se o tratamento levasse à dedução da causa?

Podemos falar que foi isso o que aconteceu, ao longo dos anos, ao que se refere à depressão. Medicações criadas para uso em anestesia, como calmantes, ajudaram pessoas internadas com crises de ansiedade e agitação. O modelo teórico, que explicaria a depressão, começou com a observação do efeito colateral da iproniazida, um antibiótico para combater a tuberculose no inicio da década de 1950. O efeito colateral foi elevação o humor, ganho de peso e melhora do sono. Com essa observação, o termo antidepressivo foi criado pelo psiquiatra Max Lurie.

Ao investigar o antituberculoso, para entender qual fator causou a elevação do humor, descobriu-se que o medicamento bloqueia a enzima que degrada as monoaminas, conjunto de proteínas que servem de neurotransmissores – serotonina, dopamina e noradrenalina. Desta forma, o modelo teórico que explica a depressão estava criado.

Como o antibiótico aumentou o nível destas substâncias, os deprimidos devem faltar estas substancias! Esse é o modelo criado no inicio dos anos 50 nos Estados Unidos, o modelo monoaminérgico da depressão. A partir deste ponto, a indústria farmacêutica começou a sintetizar diversas medicações que bloqueariam especificamente e seletivamente a enzima monoaminaoxidase, que degrada as monoaminas – serotonina, dopamina, noradrenalina.

Esse modelo teórico existe e é o padrão para explicar a depressão, desbalanço das monoaminas. Esse modelo foi importante também por mostrar um “desbalanço químico” da depressão, e não somente uma falha moral.

Hoje temos diversas medicações que atacam o problema em suas especificidades. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, ISRS (classe de fármacos usados no tratamento de síndromes depressivas) aumentam a serotonina no cérebro como a fluoxetina, sertralina ou escitalopram. Temos os inibidores duais, que inibem a recaptação de serotonina e noradrenalina como a venlafaxina ou a bupropiona, dopamina e serotonina. Todos trabalham sobre o mesmo modelo e conseguem ajudar, segundo o estudo STAR-D (estudo que tinha como principal foco o tratamento da depressão em pacientes nos quais o primeiro antidepressivo prescrito se mostrou inadequado) 70% das pessoas com depressão ao longo do tratamento, com ação inicial em 4 a 6 semanas.

O modelo monoaminérgico foi colocado à prova de outras formas, não somente observando-se o efeito. O efeito placebo também conta como efeito terapêutico, mas, procurando no cérebro de pessoas que morreram por suicídio ou no líquido cerebral de pacientes deprimidos, o aumento ou redução destas monoaminas. Surpreendentemente os resultados não são sólidos e constantes como poderíamos deduzir. A elevação das monoaminas no cérebro ocorre dias após o inicio das medicações, mas o efeito clínico demora semanas e esse é apenas uma das falhas no modelo monoaminérgico.(1)

O modelo descrito nunca foi unanimidade na comunidade científica. Outros pesquisadores, notando as falhas, elaboraram outros modelos para explicar a depressão, como modelos de excesso ou falta de hormônios ou de proteínas mensageiras do crescimento de neurônios.

Um dos modelos é o chamado glutamatérgico(2), que tenta explicar a causa da depressão pelo excesso de glutamato em diversas regiões do cérebro. O glutamato - o mesmo do glutamato monossódico, o sabor umami – é um neurotransmissor excitatório do cérebro. Não o único, mas a principal proteína que, ao ser recebida por um neurônio, o ativa a mandar o impulso elétrico adiante.

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Ele se opõe ao GABA, por exemplo, outra proteína que estimula o “desligamento” do neurônio que o recebe. Essa é a base dos calmantes. O desenvolvimento do modelo glutamatérgico se desenvolve pela observação de cérebros de pessoas que morreram por suicídio ou com depressão grave, que apresentam um aumento de glutamato em algumas áreas do cérebro e uma redução desse neurotransmissor em outras áreas, em relação às pessoas sem essa doença. Elegante modelo, não? Desbalanço químico, mas de outra natureza, não mais de monoaminas e sim de glutamato.

Na universidade de Yale, a equipe do pesquisador John Krystal, em 2000, resolveu testar essa hipótese glutamatérgica da depressão e decidiu que, para testar, iria impedir o glutamato de exercer sua atividade, bloqueando o local no qual o glutamato se liga na célula, o receptor n-metil-d-aspartato – NMDA. Escolheram 10 pessoas com depressão resistente ao tratamento com modeladores de monoaminas, realizaram uma infusão endovenosa de um agente que bloqueia o receptor NMDA e observaram o paciente durante uma semana, logo após ele ter recobrado os sentidos. Escolheram o fármaco mais conhecido, prático e já descrito para esse bloqueio, a cetamina, um anestésico em uso desde 1970, com grande conhecimento e experiência em cirurgias e sedação.

Surpreendentemente, dos 10 testados, 30% obtiveram resposta antidepressiva em algumas horas, que perdurou por sete dias, o tempo do estudo. Novas pesquisas nos ensinaram outras maneiras de utilizar a cetamina como antidepressivo. E, atualmente, os estudos mostram que uma série de seis infusões endovenosas de cetamina produzem alívio na depressão de 75% das pessoas que não conseguiram resposta positiva com medicação oral.

Descobriu-se também um efeito único e extraordinário: a cetamina foi a única medicação até o momento capaz de reduzir e eliminar pensamentos de autoextermínio e autoagressão em horas após o uso. Não existe outra medicação, ou outro modelo teórico, que seja capaz deste feito na proteção da vida.

Assim nasceu a maior revolução da psiquiatria desde a iproniazida. Consolidou a hipótese glutamatérgica da depressão como uma hipótese plausível e desde então a cetamina é utilizada como antidepressivo, principalmente nas pessoas em que a medicação oral não trouxe alivio. A indústria tenta repetir o sucesso dos antidepressivos baseados em monoamina e quer encontrar outros compostos, mas desta vez com patente, que utilizem o mesmo modelo teórico da cetamina para tratar depressão. Até o momento, que tenha sido publicado e seja de conhecimento público, 13 compostos foram tentados, nenhum com sucesso, eficácia e segurança que a cetamina se mostrou.

Esse novo modelo também não explica a totalidade dos fenômenos observados, ajeita algumas falhas e mostra uma eficácia maior do que o modelo antigo. Mas há ainda pessoas que não conseguiram resposta positiva com ele.

Ou seja, este modelo ainda não está perfeito, mas chegaremos lá. Um modelo invalida o outro? Provavelmente os dois estão errados se soubéssemos a “verdade pura” e provavelmente a verdade está de uma maneira muito mais complicada do que podemos imaginar neste momento, mas é possível garantir que passa pelo glutamato.

Ao inaugurar um novo modelo teórico, inaugura-se uma nova era no entendimento e tratamento da depressão. A cetamina será o único agente capaz de atuar sobre o glutamato e tratar a depressão? Existem outros. Alguns já descobrimos, outros vamos descobrir utilizando o método cientifico de observação e dedução.

Ganha o paciente, que tem de volta a qualidade de vida e a produtividade. Ganha a sociedade.

Referencias

  1. Lopez-Munoz F, Alamo C. Monoaminergic Neurotransmission: The History of the Discovery of Antidepressants from 1950s Until Today. Curr Pharm Des. 2009;15(14):1563–86.
  2. Thompson SM, Kallarackal AJ, Kvarta MD, Van Dyke AM, LeGates TA, Cai X. An excitatory synapse hypothesis of depression. Trends Neurosci. 2015;38(5):279–94.

*Tiago Gil é médico anestesista, fundador do Centro de Cetamina, membro ativo da ASKP3, American Society of Ketamine Physicians, Psychotherapists & Practitioners, pesquisador voluntário do IPq, interessado em anestésicos com ação antidepressiva rápida