Miguel, hoje com 1 ano e 7 meses, exige cuidados especiais por crescer com hemofilia
Redação Publicado em 29/10/2025, às 06h00

A hemofilia, uma doença hereditária que afeta a coagulação do sangue, impacta cerca de 13 mil brasileiros, a maioria meninos com hemofilia A, sendo 50% dos casos considerados graves, conforme dados do Ministério da Saúde.
O relato de Nathalia Santana, mãe de Miguel, que foi diagnosticado com hemofilia A grave, destaca os desafios diários enfrentados por famílias, incluindo sangramentos espontâneos e a necessidade de cuidados constantes.
Miguel recebe tratamento preventivo no HEMOAM, mas a dificuldade de acesso venoso e a vigilância necessária para evitar quedas complicam a rotina familiar, levando Nathalia a se engajar em ações voluntárias em defesa dos direitos de pessoas com hemofilia.
A hemofilia é uma doença rara e hereditária que compromete a coagulação do sangue, causando sangramentos espontâneos ou prolongados após traumas. Esses episódios podem atingir articulações, músculos e outros tecidos, provocando danos progressivos e irreversíveis. No Brasil, cerca de 13 mil pessoas vivem com a doença — a maioria meninos com hemofilia A — sendo 50% dos casos classificados como graves, segundo o Relatório de Coagulopatias Hereditárias (2024) do Ministério da Saúde.
A história de Nathalia Santana, moradora de Manaus (AM), ilustra os desafios enfrentados por famílias que convivem com a condição. O diagnóstico de hemofilia A grave do filho Miguel, hoje com 1 ano e 7 meses, foi o primeiro caso na família e veio de forma inesperada. Ela lembra que, ao receber a notícia, não sabia o que era hemofilia e sentiu muito medo.
O diagnóstico foi confirmado após Miguel ficar seis dias internado por bronquiolite. Durante o tratamento, as tentativas de punção venosa causaram um abscesso no braço e, ao drenar o local, a equipe identificou um coágulo de sangue, encaminhando o caso ao HEMOAM (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas), que deu o diagnóstico final.
Antes disso, hematomas frequentes já apareciam no corpo do bebê, mas a mãe acreditava que fossem comuns e relacionados ao uso da cadeirinha.
Desde outubro de 2024, Miguel é acompanhado pela hematologista Dra. Renata Lemos no HEMOAM. A profilaxia — tratamento preventivo que consiste na aplicação regular do fator de coagulação para evitar sangramentos —, antes semanal, passou a ser realizada três vezes por semana devido ao início da fase de andar, quando há maior risco de quedas e pequenos traumas. Em períodos críticos, Nathalia chega a levar o filho ao hemocentro até cinco vezes por semana.
Embora os sangramentos geralmente ocorram após traumas, isso nem sempre acontece. Miguel já apresentou episódios espontâneos, como um sangramento no glúteo após longos períodos sentado. “A profilaxia deveria impedir os sangramentos, mas em Miguel nem sempre é assim. Qualquer batida, mesmo leve, pode causar hematomas, e às vezes situações cotidianas, como sentar no chão, já provocam sangramentos. Quando começou a andar, ele apresentava muitos roxos nas coxas e nos joelhos, além de dores nas articulações”, detalha.
Para reduzir os riscos, a família precisou se mudar para uma casa maior e adaptar o local com tapetes e tatames. Além disso, a mãe mantém vigilância constante, com medidas simples para evitar quedas, como o uso de travesseiros para amortecer impactos.
Outro desafio é o acesso venoso difícil. Miguel já precisou de até dez tentativas em uma única sessão para receber o fator de coagulação, o que prolonga o tempo no hemocentro e causa dor e estresse. A mãe conta que ele teve um sangramento grave após algumas tentativas de vacinação no pé, que o deixou inchado e roxo.
A Dra. Renata Lemos conta que, para crianças pequenas, conseguir acesso venoso é um desafio. “As punções repetidas podem ser traumáticas, e muitas famílias dependem da equipe de enfermagem até aprenderem a fazer a via em casa ou optarem por alternativas, como cateteres e dispositivos de punção. A agenda de infusões interfere em passeios, escola e viagens”.
Na hemofilia, os sangramentos graves são aqueles que ocorrem em locais críticos ou têm potencial de causar risco de vida, sequelas permanentes ou complicações severas - além de serem definidos pela localização e pelas consequências. “Hemorragias intracranianas, no pescoço ou na garganta, que dificultem a respiração; hemorragias intra-articulares com dor intensa e incapacidade de movimentar a articulação; sangramentos abdominais com sinais de instabilidade; ou grandes hematomas musculares que causem compressão são considerados emergências”, destaca a médica.
A hematologista também orienta que os pais devem estar atentos a sinais de alerta, como dor súbita e intensa sem causa clara; inchaço articular ou incapacidade de apoiar um membro; sangramentos que não cessam após o tratamento habitual; alteração do nível de consciência, vômitos persistentes ou dor de cabeça muito forte (que podem indicar sangramento intracraniano); e dificuldade para respirar ou engasgo com sangue. “Em qualquer uma dessas situações, é fundamental procurar atendimento de urgência imediatamente”, ressalta.
Mesmo morando perto do hemocentro, a rotina de Nathalia é exaustiva. Ela precisa conciliar os cuidados com Miguel, o filho mais velho e as tarefas domésticas, o que a impede de trabalhar fora. Ela conta que é necessário ficar em constante vigilância, pois o filho não pode brincar livremente com as outras crianças.
Com o tempo, transformou a experiência em engajamento e atuação voluntária: hoje, é conselheira da Associação dos Hemofílicos do Amazonas, colaborando em fiscalizações, deliberações e defesa dos direitos de pessoas que convivem com hemofilia no estado.
A Dra. Renata Lemos destaca que o caso de Miguel reflete a realidade de muitos pacientes brasileiros, que são marcados por estigma, desconhecimento e dificuldade de acesso a terapias modernas. Para ela, a meta é transformar a hemofilia em uma condição manejável, que não limite a infância nem as oportunidades dos pacientes.
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