Desafios da era digital: O papel crítico dos pais na proteção da saúde mental e segurança online de crianças e adolescentes
Danielle Biazi* Publicado em 24/07/2024, às 06h00
Pais e educadores têm sido confrontados com dados alarmantes a respeito da saúde mental de crianças e adolescentes, tema debatido nos setores de saúde, educação e, inclusive, pautado em animações, como o recém-lançado filme Divertidamente 2, ao colocar a ansiedade na roda de conversa infanto-juvenil.
Especialistas buscam desenvolver pesquisas para compreender as origens do preocupante quadro. No Brasil, por exemplo, um em cada 6 meninos e meninas entre 10 e 19 anos vive com algum transtorno mental, segundo dados compartilhados no relatório “Situação Mundial da Infância” – UNICEF; a OMS, por sua vez, indica que o suicídio é a terceira maior causa de mortalidade entre jovens.
O autor e psicólogo Jonathan Haidt acredita que este é um fenômeno intimamente vinculado ao uso da internet e a hiperconectividade entre jovens, tratando da questão no livro “Geração Ansiosa”. Aqui no Brasil, aliás, já existem movimentos liderados por pais e responsáveis reivindicando a limitação do uso de telas e acesso à internet por crianças e adolescentes, a exemplo do “Movimento Desconecta” e “Infância Livre de Telas”.
Nada disso é por acaso, muito embora a rede nos transporte para um universo de conhecimento, dados apontam diversos malefícios do uso da internet nesta fase de formação, que partem desde prejuízos no neurodesenvolvimento, até disfunções de imagem, assim como exposição à prática de crimes, tais quais a pornografia infantil, pedofilia, cyberbullying, instigação ao suicídio, aliciamento por grupos de ódio, entre outros casos igualmente gravosos.
Pergunta-se qual o papel dos pais e aqui é preciso deixar claro: o papel é fundamental e inafastável de cuidado, gestão e fiscalização daquilo que os filhos consomem nas redes sociais. Não dá para deixar solto. Se na vida real nós costumamos dizer aos filhos “não falem com estranhos” “não andem por ruas escuras”, no universo virtual e sem fronteiras isso é ainda mais necessário, demandando um letramento de todos nós.
Neste contexto é que recentemente foi protocolado o Projeto de Lei nº1.052/24, de autoria da deputada federal Rogéria Santos, que torna crime o chamado “abandono digital” e tem como objetivo penalizar os pais que negligenciarem o uso da internet pelos filhos, permitindo que crianças e adolescentes sejam expostos a toda sorte de violações (físicas e psíquicas).
Embora a criminalização do abandono digital seja novidade, é importante lembrar que o dever de proteção dos pais em relação aos filhos, na rede e fora dela, não é. A Constituição da República, artigo 227, assim disciplina: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Referido contexto ganha concretude maior a partir do chamado poder familiar ou autoridade parental, bem descrito no Estatuto da Criança e Adolescente, assim como no Código Civil Brasileiro. Não bastasse, também é dos pais a responsabilidade por eventuais ilícitos civis praticados pelos filhos enquanto sob sua autoridade.
Vale lembrar que o espaço de proteção das crianças nas redes também possui disciplina no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) ao estabelecer o chamado “controle parental” (artigo 29) na utilização de programas de computador pelos filhos, instituindo uma corresponsabilidade dos pais, dos provedores e do poder público na construção de boas práticas para a inclusão digital de crianças e adolescentes.
Sob o ponto de vista legal, portanto, já é dever dos pais realizar o acompanhamento e monitoramento da vida digital dos filhos. O que agora propõe o projeto é a tipificação penal, quando constatada negligência dos pais, em relação a possíveis crimes cometidos ou sofridos pelos filhos em razão do uso indiscriminado da Internet, ou seja, sem os devidos acompanhamento e instrução. Trata-se de um recado importante.
Embora seja desafiador estabelecer limites à conectividade no mundo atual, é fundamental que os pais promovam o diálogo constante, franco e aberto a respeito destes temas, sempre em vista da proteção do público infanto-juvenil formado por sujeitos, que embora cheios de conteúdo, são cidadãos em formação, indiscutivelmente vulneráveis e merecedores de toda a proteção da família e do estado.
*Danielle Biazi é advogada, Doutora e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora em cursos de pós-graduação e palestrante, associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Familia (IBDFAM) e Instituto Brasileiro de Estudos em Responsabilidade Civil (IBERC).