Diante das desigualdades, saúde mental das mulheres é afetada em dobro por depressão e outros transtornos em comparação aos homens
André Machado* Publicado em 30/10/2025, às 06h00

Mais de um bilhão de pessoas enfrentam transtornos mentais, com as mulheres apresentando taxas de ansiedade e depressão significativamente mais altas, especialmente no Brasil, onde 10,9% das mulheres sofrem de depressão em comparação a 3,6% dos homens.
Fatores como a sobrecarga de responsabilidades, a pressão social para ser a 'mulher multitarefa' e desigualdades raciais e econômicas contribuem para o aumento dos transtornos mentais entre as mulheres brasileiras, exacerbados pela pandemia.
Para mitigar esses problemas, são necessárias políticas públicas que promovam a saúde mental feminina, como a ampliação de creches e a inclusão de mais psicólogos no SUS, além de estratégias individuais como terapia e redes de apoio para combater o isolamento e o estigma.
Em um mundo onde mais de um bilhão de pessoas lidam com transtornos mentais, as mulheres carregam um fardo desproporcional. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres são até duas vezes mais propensas a desenvolver transtornos de ansiedade do que os homens, influenciadas por fatores biológicos, sociais e ambientais.
No Brasil, o panorama é ainda mais preocupante: dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, analisados pela Fiocruz, revelam que a prevalência de depressão é de 7,9% na população geral, mas mais do que o dobro entre as mulheres (cerca de 10,9% contra 3,6% nos homens), com taxas de transtornos mentais comuns atingindo 33,8% delas versus 18,4% deles. Esses números não são isolados; refletem uma crise que exige políticas públicas urgentes e um olhar atento para a saúde mental feminina, especialmente em um país marcado por desigualdades.
Sob uma perspectiva evolutiva, também é possível compreender por que as mulheres são mais vulneráveis à ansiedade. Durante milhares de anos, enquanto os homens assumiam papéis voltados à caça, guerra e proteção — situações com ameaças externas imediatas —, as mulheres ficaram historicamente associadas ao cuidado com bebês e à manutenção da vida familiar e comunitária. Isso as tornou mais sensíveis a riscos sociais e emocionais, como rejeição, isolamento ou falhas no vínculo afetivo — ameaças que, para elas, podiam significar risco real à sobrevivência da prole.
Essa hipervigilância emocional, útil em contextos ancestrais, hoje pode se manifestar como ansiedade generalizada em um mundo com pressões sociais constantes, sobrecarga de tarefas e idealização de perfeição. O que foi adaptativo torna-se fonte de sofrimento quando o ambiente moderno estimula a performance contínua, mas não oferece suporte equivalente.
Os fatores mais impactantes para o aumento de ansiedade e depressão entre as mulheres brasileiras incluem justamente essa sobrecarga de responsabilidades. Muitas enfrentam a “jornada tripla”: trabalho remunerado, tarefas domésticas e cuidados familiares — o que eleva níveis crônicos de estresse.
Um estudo recente da Fiocruz destaca que, durante a pandemia e pós-pandemia, as mulheres relataram mais sintomas depressivos devido ao isolamento e ao aumento das demandas em casa. Pressões sociais, como o ideal da “mulher multitarefa” propagado pelas redes sociais — onde o Brasil lidera o uso global — fomentam comparações constantes, baixa autoestima e sensação de fracasso. Fatores interseccionais agravam esse cenário: mulheres negras e de baixa renda enfrentam o racismo e a pobreza como agravantes que duplicam o risco de depressão, conforme relatórios da OMS e do Ministério da Saúde.
O papel social tradicional da mulher é um interferente central na saúde mental. Moldadas culturalmente para serem as principais cuidadoras, muitas internalizam a ideia de que falhar nesse papel é sinal de fraqueza pessoal. Essa expectativa gera esgotamento (burnout), que pode evoluir para depressão ou ansiedade. Sintomas como fadiga crônica, irritabilidade e perda de prazer surgem quando o equilíbrio é rompido. No pós-parto, por exemplo, até 26% das brasileiras desenvolvem depressão, agravada pela falta de rede de apoio em contextos machistas, onde se diz que “mulher forte aguenta tudo”. O estigma cultural inibe a busca por ajuda, criando um ciclo onde emoções reprimidas se manifestam em problemas físicos — como dores crônicas ou
insônia — elevando o risco de transtornos em até 100% em comparação aos homens.
Para lidar com essa sobrecarga emocional, especialmente para mulheres com múltiplos papéis, estratégias eficazes devem ser práticas e integradas à rotina. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é comprovadamente efetiva, reduzindo sintomas de ansiedade em até 60% em poucas sessões, ao desafiar pensamentos disfuncionais como “eu preciso dar conta de tudo”. Práticas de mindfulness, via aplicativos gratuitos como o Lojong ou o Insight Timer, oferecem meditações de 5 minutos que promovem pausas restauradoras. No dia a dia, recomendo a prática da “delegação sem culpa”: envolver familiares nas tarefas domésticas, criando rotinas compartilhadas que aliviem o peso individual.
Redes de apoio são essenciais: grupos de mulheres no SUS ou online, como os do movimento #MulheresPelaSaúdeMental, normalizam experiências e combatem o isolamento. Para prevenção coletiva, defendo políticas públicas como ampliação de creches, licenças parentais igualitárias e mais psicólogos no SUS (atualmente, apenas 19 por 100 mil habitantes). Inspirados em modelos como o da Noruega — onde o apoio estatal contribuiu para reduzir os índices de depressão em cerca de 30% — o Brasil poderia investir em programas de saúde mental com recorte de gênero.
Por fim, o autocuidado é uma ferramenta de empoderamento: comece com um diário de gratidão ou caminhadas diárias para reconectar-se consigo mesma. Como Audre Lorde escreveu: “Cuidar de si não é autoindulgência, é autopreservação”. Mulheres brasileiras, lembrem-se: buscar ajuda é força, não fraqueza. Vamos priorizar a mente para construir uma sociedade mais equânime. Se você se identifica, marque uma consulta — o primeiro passo muda tudo.
*André Machado é psicólogo, mestre e doutor pela PUC-RJ.
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