Violência psicológica é crime e tem nome, é o chamado gaslighting. A promotora de Justiça Nathalie Malveiro explica
Nathalie Malveiro* Publicado em 31/12/2022, às 06h00
Chegando o final do ano, começam os balanços e as retrospectivas de 2022. Não somente no âmbito pessoal, quando nos confrontamos com os planos feitos para 2022, nos sonhos realizados, nos caminhos percorridos e nos erros cometidos. A própria mídia faz também esse retorno às previsões feitas e avanços alcançados.
Dentre as retrospectivas, surgem as escolhas das “palavras do ano”. Dicionários e sites de busca fazem um levantamento daquelas mais pesquisadas ou que tiveram um ressignificado no ano que se finda.
O dicionário Merriam-Webster, um conceituado dicionário online de língua inglesa, escolheu uma que ouvimos muito também por aqui: gaslighting. O nome é difícil, mas quer ver como você sabe o que significa?
O termo surgiu com a peça teatral “Gaslight” (Lamparina de gás) do dramaturgo britânico Patrick Hamilton, e conta a história de uma mulher, casada, que todas as noites estranha que a iluminação da sala – na época feita por lamparinas de gás – enfraquece e quando o marido é questionado, diz que ela está enganada, desmerecendo uma percepção real que ela tem. O marido segue escondendo objetos pela casa, fazendo com que a esposa os encontre em locais estranhos, para que ela acredite que está enlouquecendo. A peça original deu origem ao famoso filme “Gaslight” ou “À meia luz” no título brasileiro, que teve no papel principal a atriz Ingrid Bergman e concorreu a 7 Oscars.
Foi então, a esta forma de manipulação, que se deu o nome gaslighting. Segundo a definição do dicionário, é a manipulação psicológica sobre uma pessoa, usualmente em um período longo de tempo, de forma a causar na vítima questões sobre a validação de seus próprios pensamentos, percepções da realidade, ou memórias que levam à confusão, perda da confiança e autoestima, instabilidade emocional ou mental e dependência em relação ao abusador.
Sabe aquela sensação de sentir algo, perceber uma situação, desconfiar do que está sendo dito, de ter a intuição de algo errado, mas ouvir do outro que você está louca, que está imaginando coisas, que você tem problemas? A esta manipulação se dá o nome de gaslighting.
A Lei Maria da Penha, quando editada em 2006, não previa nenhum crime para essa conduta. Apesar de elencar, dentre as violências sofridas por mulheres, a violência psicológica, não havia no nosso ordenamento jurídico nenhuma infração que se encaixasse no que hoje chamamos de gaslighting ou de violência psicológica.
Somente no ano passado, em 2021, foi promulgada alteração do Código Penal, que passou, então, a prever a conduta criminosa daquele que “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação (art. 147-B).
Com o advento desta alteração legislativa tornou-se possível aos operadores do direito enquadrar como crime a manipulação, o controle, a humilhação, ou seja, o gaslighting que caracterizam importante faceta da violência doméstica e da violência contra as mulheres.
E então? Você até podia não conhecer a palavra, mas o que ela significa tenho certeza de que infelizmente você já sentiu, sobretudo se você for mulher.
Onde procurar ajuda: 190 - Polícia Militar; Delegacia da Mulher; Casa da Mulher Brasileira; 180 - Central de Atendimento à Mulher
*Nathalie Malveira é Promotora de Justiça de enfrentamento da violência doméstica do MPSP