É preciso cuidado com a saúde mental feminina inclusive em relação ao consumo de álcool e espaços exclusivos voltados para isso
Mariana Thibes* Publicado em 20/04/2025, às 06h00
O consumo abusivo de álcool entre as mulheres brasileiras tem aumentado de forma preocupante, com uma variação média anual de 4,2% na última década. Essa tendência tem levado especialistas de diversas áreas da saúde a investigar os impactos do álcool na saúde feminina, que vão além da dependência.
A busca por igualdade entre homens e mulheres, um dos pilares da sociedade moderna, estende-se também aos hábitos de consumo, inclusive o de álcool. A quebra de barreiras sociais e a conquista de espaços antes restritos ao universo masculino trouxeram, em contrapartida, a assimilação de comportamentos que podem ter consequências negativas à saúde feminina. Este é o caso do consumo abusivo de álcool, cada vez mais praticado pelas mulheres, tanto no Brasil quanto no mundo. Essa mudança é preocupante, pois expõe as mulheres aos riscos e vulnerabilidades que antes afetavam majoritariamente o sexo masculino.
Além das influências sociais, o corpo feminino apresenta uma vulnerabilidade intrínseca ao álcool, em virtude de sua própria biologia. A menor quantidade de água no organismo feminino, comparada ao masculino, resulta em uma concentração mais elevada de álcool no sangue, intensificando seus efeitos. A reduzida massa corpórea também contribui para essa maior sensibilidade, enquanto a menor presença de enzimas hepáticas, responsáveis pela metabolização do álcool, retarda sua eliminação e prolonga a exposição do corpo aos seus efeitos tóxicos. Essa combinação de fatores torna as mulheres mais suscetíveis a danos em órgãos como o fígado e o cérebro, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer, em comparação aos homens. E esses danos já se fazem sentir, conforme mostram os dados.
Um estudo inédito realizado pelo CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, com base em dados do Ministério da Saúde, revela um panorama detalhado dos principais danos causados pelo álcool em diferentes faixas etárias. Em 2020, as mulheres representaram 23,3% dos óbitos atribuíveis ao álcool no Brasil, totalizando 15.490 mortes. Isso equivale a cerca de 2 mulheres mortas por hora em decorrência do uso nocivo de álcool. A faixa etária mais afetada é a de 55 anos ou mais (70,9%), seguida por mulheres de 35 a 54 anos (19,3%), 18 a 34 anos (7,3%) e 0 a 17 anos (2,5%).
As principais causas de mortes totalmente atribuíveis ao álcool foram os transtornos mentais e comportamentais por uso de álcool (popularmente conhecido como alcoolismo) e as doenças hepáticas, as quais aumentaram após a pandemia. Em relação ao alcoolismo, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 1,6% das brasileiras apresentam critérios para abuso ou dependência de álcool, sendo que as mortes por essa causa aumentaram 23% entre as mulheres no primeiro ano da pandemia, em comparação com 2019. E as mais afetadas foram as mulheres pretas, que foram as que mais morreram por alcoolismo em todos os anos da pesquisa.
A pandemia representou um marco para entendermos esse fenômeno. As mortes relacionadas ao álcool, que vinham caindo entre homens e mulheres até o ano de 2019, tornaram a subir em 2020, e ainda não retornaram aos patamares pré-pandêmicos. Nesse período, o estresse, o medo e a sobrecarga das mulheres ocorreram em um cenário onde os tratamentos e a ajuda especializada ficaram reprimidos por conta da superlotação dos equipamentos de saúde. Com isso, muitas mulheres não só passaram a beber mais e de modo problemático para enfrentar os seus problemas, como ficaram desassistidas para obter ajuda.
No entanto, é bom frisar, o problema não se restringe ao alcoolismo. O uso abusivo, que ocorre com o consumo de quatro ou mais doses de álcool em uma única ocasião, e que vem se tornando cada vez mais frequente entre as mulheres, é considerado um padrão de alto risco, que aumenta a probabilidade de intoxicação alcoólica, quedas, envolvimento em brigas, sexo desprotegido, amnésia alcoólica e danos a diversos órgãos e sistemas, como o trato gastrointestinal, fígado, pâncreas, sistema nervoso e sistema cardiovascular. No caso das mulheres, constitui um dos principais fatores de risco evitáveis para o câncer de mama, o tipo que mais mata mulheres no Brasil.
As mudanças em curso exigem uma reflexão profunda, para que a busca por equidade não se traduza em um ônus adicional à saúde da mulher. Esse entendimento perpassa uma discussão mais ampla que começa por entender que muitas mulheres, hoje, buscam no álcool um amparo e um alívio que não tem encontrado em outros lugares. Nesse sentido, informar as mulheres sobre os riscos do uso nocivo de álcool é importante, mas não suficiente.
É preciso lembrar que as mortes por alcoolismo estão intrinsecamente ligadas à vulnerabilidade social. Nesse sentido, é preciso que haja mais alternativas de cuidado da saúde mental feminina e espaços exclusivos voltados para essas necessidades, e atenção especial às mulheres pretas, que são, ainda, as mais impactadas pelos transtornos por uso de álcool.
* Mariana Thibes é socióloga e coordenadora do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Possui doutorado em Sociologia pela USP e pós-doutorado em Ciências Sociais pela PUC-SP.
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres