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Parto seguro exige avaliação criteriosa da equipe médica sobre qual melhor procedimento para a saúde da mãe e do bebê

A cesariana precoce pode trazer riscos para mães e bebês, tornando essencial a escolha informada da via de nascimento para um parto seguro

Dra. Letícia Corrêa* Publicado em 11/09/2025, às 06h00

O parto é um momento único - pexels
O parto é um momento único - pexels

Nos últimos 15 anos, o cenário dos nascimentos no Brasil passou por mudanças significativas. Após décadas em que a cesariana predominou,chegando a impressionantes 92% em 2013 e 2014, o número de partos normais voltou a crescer. Essa transformação foi impulsionada por fatores como a valorização de práticas naturalistas, a circulação de informações em redes sociais em favor do parto natural e as mais recentes recomendações do Conselho Federal de Medicina (CFM), que contraindicou cesáreas eletivas antes de 39 semanas de gestação.

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Esse movimento representa avançosmas exige cautela. Segurança no parto não pode ser guiada por modismos ou conveniências mas deve considerar avaliações técnicas criteriosas. A decisão sobre a via de nascimento deve sempre estar alicerçada em ciência, na experiência da equipe médica e na avaliação caso a caso.

Os riscos da cesariana precoce

A cesariana, quando realizada antes do início do trabalho de parto e sem indicação clínica, aumenta as chances de complicações tanto para o bebê quanto para a mãe.

Um recém-nascido que vem ao mundo antes de 39 semanas de gestação tem maior risco de apresentar dificuldades respiratórias, icterícia, hipoglicemia e problemas de sucção. Em muitos casos, precisa de oxigênio suplementar, internação em UTI neonatal ou fototerapia.

Para a gestante, a cirurgia envolve riscos inerentes a um procedimento de grande porte: exposição a infecções, hemorragias, lesões em órgãos vizinhos e recuperação dolorosa, que pode se estender por até duas semanas. É fundamental lembrar que uma cesárea atravessa sete camadas de proteção do corpo humano, portanto, não deve ser banalizada.

Esse cenário obviamente leva as mães a preferirem o parto normal, mas também é um procedimento que traz implicações, se não for consentido mediante todas as condições favoráveis para isso, e com anuência médica expressa.

A importância do trabalho de parto

A entrada espontânea em trabalho de parto desempenha um papel essencial na adaptação do bebê à vida fora do útero. As contrações ajudam a preparar os pulmões e facilitam a transição respiratória. Em geral, recém-nascidos que passam por esse processo necessitam de menos suporte nas primeiras horas de vida.

Outro aspecto fundamental é a maturidade neurológica: somente a partir de 39 semanas o desenvolvimento atinge seu auge. Bebês considerados “a termo precoce” (37 semanas) costumam enfrentarmais dificuldades para sugar, manter a glicemia estável e se adaptar ao ambiente externo.

Decisões médicas e segurança

Embora o parto normal seja considerado a via mais segura, pode demandar intervenções técnicas. Em cerca de 10% dos casos, por exemplo, a episiotomia (corte no períneo) é necessária para evitar laceraçõesou prolongamento do período expulsivo em alguns casos que pode colocar risco ao bebê . Essa decisão cabe ao obstetra, que avalia riscos e escolhe a melhor forma de preservar a saúde materna e do bebê.

Um ponto de atenção é a rigidez de alguns planos de parto. Quando uma gestante se recusa de maneira absoluta a procedimentos como corte, fórceps ou cesariana, sem levar em conta a avaliação médica, pode transformar um processo natural em uma emergência. O diálogo e a confiança na equipe médica são fundamentais para equilibrar desejo e segurança.

O papel das doulas e os limites da responsabilidade

As doulas oferecem suporte emocional importante e podem contribuir para uma experiência mais acolhedora. No entanto, não possuem formação técnica nem responsabilidade legal em relação ao parto. Em situações de risco, decisões precisam ser tomadas em segundos, e interferências externas podem colocar em perigo a vida ou a qualidade de vida do bebê e da mãe.

É preciso reconhecer a importância desse tipo de apoio, mas também os limites da atuação de cada profissional no momento do parto.

Humanização e técnica: caminhos que se complementam

A busca por um parto mais humanizado surgiu como resposta a uma medicina que, em alguns contextos, se tornou impessoal e excessivamente protocolar. Contudo, humanização não deve ser entendida como oposição à ciência.

Acolhimento, empatia e cuidado devem caminhar lado a lado com conhecimento técnico e protocolos de segurança. O chamado “golden minute”, em que cada segundo pode ser decisivo para salvar o recém-nascido, ilustra bem a necessidade de ter profissionais preparados e treinados.As mães estão mais atualizadas hoje e exigindo a “goldenhour”que visa promover o contato pele a pele do recém nascido com a mãe na primeira hora de vida, sabem que visa benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê, mas vale ressaltar que para garantir uma “goldenhour”é importante respeitar o “golden minute” e não atrasar os cuidados para o bebê caso o mesmo precise, e esta decisão é tomada pelo pediatra treinado na sala de parto.

Parto não se escolhe como uma refeição por aplicativo

Parto seguro é resultado de equilíbrio, confiança e base científica. Ele não se define por ideologia, conveniência ou modismos.

Não se escolhe a via de nascimento como quem escolhe uma refeição em um aplicativo. O parto é um processo biológico complexo, que exige decisões rápidas e precisas. Em países desenvolvidos, cerca de 20% dos partos terminam em cesariana — não por conveniência, mas porque salvar vidas é prioridade.

Confiar na equipe médica, contar com estrutura hospitalar adequada e respeitar o tempo de maturidade do bebê são pontos essenciais para que a experiência do nascimento seja segura e positiva.

Empatia é importante, mas para ser bom médico é indispensável ter base técnica. O nascimento é um dos momentos mais decisivos da vida, e ele precisa ser tratado com responsabilidade e conhecimento científico.

*Dra. Letícia Corrêa, 44 anos, é formada em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, fez residência médica em Pediatria no Hospital de Clínicas, em Curitiba, e especialização em Neonatologia na USP, onde foi professora assistente. Há 15 anos na capital paulista, trabalhou em quase todas as maternidades da cidade.