Prevenir a Síndrome Alcoólica Fetal pode ser o primeiro passo para a realização desses desejos em relação ao bebê que vai nascer
Cleísa Brasil* Publicado em 31/01/2024, às 06h00
Ao receber a notícia da chegada de um filho, saúde para o bebê é o mais frequente dos desejos da maioria de mães e pais. A expectativa é de que o filho idealizado seja saudável, se desenvolva dentro do esperado para cada fase de vida, brinque com outras crianças, vá à escola e consiga se integrar a uma sociedade, às vezes marcada por muitas desigualdades e preconceitos.
Quando eu e meu marido decidimos ter filhos por meio da adoção, também não foi diferente. Desejávamos que eles tivessem saúde e que pudéssemos lhes proporcionar o máximo de felicidade e bem-estar a que toda criança tem direito. Mas em nosso cadastro no Sistema Nacional de Adoção, nossa escolha incluía crianças com doenças crônicas ou com deficiência, o que não nos garantiria receber um filho “saudável”. E assim nossa primeira filha nos chegou. Uma menina de nove meses de idade. “Mas ela possui uma deficiência”, nos preparou a assistente social da Vara da Infância e Adolescência, quando o telefone tocou para nós.
Apesar da convicção de querer receber uma criança com deficiência, o desafio agora era saber se nós conseguiríamos cuidar bem dela, com todas as especificidades que ela apresentava.
A primeira coisa a saber era o que ela tinha, e a resposta: uma suspeita diagnóstica de Síndrome Alcóolica Fetal - SAF. A seguinte, em meio ao nosso total desconhecimento, “o que é SAF? ”, pergunta esta que sua genitora certamente não teve oportunidade de fazer aos profissionais da saúde que a acompanharam, caso ela tenha tido acesso ao pré-natal. E ela, assim como eu, a maior parte dos profissionais da saúde maternoinfantil e a maioria das pessoas que eu conheço, jamais haviam sido orientados sobre a SAF.
A SAF é uma síndrome provocada pelo consumo de álcool durante a gestação. O álcool afeta o feto em qualquer período da gravidez, provocando uma série de alterações no desenvolvimento físico e neurológico do bebê. Isso faz da SAF uma síndrome prevenível. E, como tal, conhecer sua causa e forma de prevenção constitui condição imprescindível para a conscientização da sociedade.
O início da vida de quem tem uma criança com SAF é marcado por dúvidas não esclarecidas, solidão, dificuldade de acesso a tratamento médico e terapêutico. Apesar de estudos demonstrarem sua alta prevalência em todo o mundo, as informações sobre a causa, forma de prevenção e tratamentos são tidas como uma espécie de tabu. Afinal, em uma sociedade em que o consumo de bebidas alcoólicas está relacionado a bemestar, o consumo de álcool por mulheres tem crescido como um indicador de empoderamento feminino e como grande oportunidade de aumento de lucro pela indústria de bebidas e setor de bares e restaurantes.
Este trajeto levou a mim e ao meu marido, a uma busca por informações que nos orientasse sobre como realizar nosso desejo de saúde, felicidade e bem-estar para nossa filha. Assim, em 2018 conhecemos um grupo de mães: o Famílias SAF Brasil. A partir daí, começamos a conhecer experiências de famílias de todo o Brasil que têm crianças com a síndrome. Me senti ouvida, acolhida e motivada a estudar e a participar deste movimento que promove trocas de informações, compartilha palavras de otimismo, consolo, ânimo e luta por políticas públicas para prevenção e tratamento.
Juntos, aprendemos sobre os efeitos que o álcool pode provocar nas crianças. São mais de 400 comorbidades e cada pessoa apresenta um padrão próprio de comportamentos, alterações físicas e comprometimentos em diferentes níveis.
Ao longo deste tempo temos acompanhado o desenvolvimento de nossas crianças, comemorando cada desafio vencido: os primeiros passos, a alfabetização, a conclusão do ensino médio, o início de namoro, o primeiro emprego. Isso tudo nos ajuda a dissipar um pouco as incertezas sobre o futuro de nossos filhos e me inspira, enquanto vejo minha filha crescer. O quanto ela irá conseguir se desenvolver para caber neste mundo tão capacitista, não é possível saber. Mas certamente, será muito, diante de tantos desafios já vencidos e de tanto potencial que ela possui.
A prevenção da SAF é simples: basta evitar o consumo de álcool na gravidez. Mas eu tenho certeza de que, assim como nós, você também nada ou pouco sabia sobre isso.
Agora que você também já sabe, que tal nos ajudar a realizar os desejos de tantas famílias para seus bebês?
*Cleísa Brasil é mãe da Ana Victória e da Maria Clara, engenheira agrônoma, membro do Famílias SAF Brasil e membro do Núcleo de Estudos dos Efeitos do Álcool na Gestante, no Feto e no Recém-nascido (SAF) da Sociedade de Pediatria de São Paulo.